Depois do último “post”, pareceu-me de ir buscar o poema de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro com que Helder Macedo abre o seu livro (Nós – uma leitura de Cesário Verde). Por ter sérias reservas à “leitura” pessoana de Cesário Verde (de que muito gosto...), aqui a trago.
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
(Fernando Pessoa-Alberto Caeiro,
in "O Guardador de Rebanhos - Poema III")
Cesário Verde triste?, camponês? Só?
Sendo uma excelente abertura para o livro de Helder Macedo, o que sobretudo ressalta da “leitura” deste no seu Nós – "leitura" que quis reler, sem qualquer pretensão a não ser a de aproveitar Cesário para melhor me/nos conhecer – é a de ter sido Cesário Verde um observador da realidade, não só da realidade do campo, e não só enquanto tal, mas da realidade da cidade, e da imparável invasão desta pela realidade da sociedade adentro, nessa segunda metade do século XIX.
Observador triste? Será, mas lúcido e não fixo, ou fixado. Como narrador ou personagem, Cesário Verde corrige-se e pretende intervir. E intervém. Então e hoje. Enquanto crítica social que faz. Contundente, irónica, provocadora, interventiva.
Cito, de Helder Macedo:
«O proudhonismo inerente à tentativa de substituir a “propriedade” pela “posse” – o penoso processo registado em “Nós”(*) – revelou-se um beco sem saída. E a deriva conceptual sugerida em “Provincianas”(**) para, como observa Joel Serrão, “um antagonismo de classes tão claramente posto” poderia efectivamente parecer aproximar Cesário de Marx à medida em que o afasta de Proudhon.»
(p. 236)
E embora Helder Macedo coloque reservas a esta posição, por considerar a cristalização em duas correntes do socialismo oitocentista, será adequado sublinhar que não foram Proudhon e Marx que inventaram a propriedade, o roubo, o capitalismo, mas sim a propriedade como roubo no capitalismo que criaram Proudhon e Marx. Ora Cesário Verde conhecia Proudhon mas desconheceria Marx e os seus últimos poemas (de 19884-5) terão muito de da observação de Marx a superar o empasse de Proudhon.
Por último:
«(…) a polarização entre “cidade”” e “campo” na obra de Cesário adquire o seu pleno valor de metáfora poética estruturante sucessivamente modulada nos correlativos semânticos sujeição/amor, prisão/liberdade, poder/repressão, Norte/Sul, doença/saúde, propriedade/posse e, finalmente, propriedade/trabalho.»
(p. 238 e última)
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(*) - Poema de Cesário, de 1884
(**) – «Foi Joel Serrão quem primeiro observou que “Provincianas” (último poema de Cesário Verde, sem data mas pouco anterior à sua morte em 1886) marca o início de uma nova fase na obra de Cesário: “Toma partido, insurge-se contra a injustiça… “»
3 comentários:
Apetece-me relê-lo! E depois conversamos:)))))
Eu preciso é mesmo de o ler a sério.
Um beijo.
Eu não o li, ainda.
Bjs,
GR
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