domingo, janeiro 22, 2006

22 de Janeiro de 2006

Crónica da manhã brumosa (·)

O dia de ontem acabou com uma noite-madrugada muito húmida, de nevoeiro cerrado, que dificultou o regresso a casa.
A manhã de hoje nasceu(-me) brumosa. A sensação de tempo parado, silencioso, não é abalada pelos raros carros que passam na estrada e pelos ruídos da rádio que dão notícia de incidentes e boicotes, e de outras acções ou reacções.
Sei e sinto que começou um dia diferente. Um dia com data, como todos, mas também com um nome, não de um santo ou de uma passagem de tempo mas de um acto cívico, da conquista – que sei como não foi fácil – de poderemos escolher quem nos represente numa função, e num contexto para que também conquistámos – duramente, duramente – o direito de definir os contornos, o perfil.
A manhã está de bruma. Tranquila e parada. À espera do fim do dia que dependerá, para o nosso futuro, do que cada um de nós fizer, com a informação (e desinformação e manipulação a que foi sujeito, ou de que foi objecto) que cada um tem.
Acordei tranquilo e preocupado. E passarei muito atento e preocupado, vivendo uma expectativa de intervalo que espera o acto seguinte, as lentas horas desta manhã e da tarde que se lhe seguirá.
Nestas manhãs de bruma, o português ilustrado pensa em D. Sebastião. O que é um mau presságio porque este português sebastianismo é alienante uma vez que coloca numa ficção (por vezes meticulosamente construída ao serviços de interesses desumanos e desumanizantes) a salvação da Pátria.
Que o mesmo é negar a mudança de rumo que quase vitalmente se deseja, que tanto se precisa e de que tantos necessitam, porque este “Sebastião” (montado peça a peça, e que frio espantalho me parece) foi um dos maiores protagonistas pelo rumo que aqui, a este Estado da Nação, nos trouxe e a sua vocação, missão – e obrigação para com aqueles que o fizeram “Sebastião” –, seria a de contribuir para tal reforço desse rumo que chega a assustar.
Mas a bruma com que começou o dia, o ambiente sebastianista para que pode estar contribuindo, não esmorece a confiança com que, com muita determinação, vimos e sentimos e vivemos a real vontade (e necessidade) de mudança. Conscientemente arreigada em tantos de nós, e que tão maltratada e escondida e é. E que continuará amanhã. Com a luta nas condições hoje criadas por todos nós.
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(·) - Este título nasceu-me antes do texto. Ou melhor: o que tenho a irresistível vontade de passar a texto começou por esta frase. Que bem me parece que nem é original, embora não localize – nem o procure fazer – onde a colhi para em mim entrar e agora de mim jorrar.

3 comentários:

Lobo Sentado disse...

Belo texto, caro Sérgio... e muito adequado ao momento.
Seja qual for o resultado, a luta continua, venha ou não o tal Sebastião.
Abraço

Anónimo disse...

Belíssimo texto.
Transmite tanta nostalgia!
Restam, cento e vinte minutos, para expressar no meu rosto, alegria, tristeza ou muita raiva!
Deito-me cansada! Talvez zangada!
Amanhã é um novo dia!
A Luta Continua!

GR

Sérgio Ribeiro disse...

Olá, GR!

Obrigado pelo teu comentário (e também pelo teu, Luís).
Mas não diria que transmita nostalgia. Pelo menos, não era isso que eu queria transmitir. Preocupação, cansaço, consciência de que muito, muito, foi feito, mas que muito ficou (e há!) por fazer, isso sim.
Mas também queria transmitir a esperança que sempre sinto a multiplicar-se, e que nesta campanha tanto motivo teve para se multiplicar.
Qualquer que seja o resultado, a luta continuará, nas condições novas para que a mobilização e consciencialização da campanha nossa, do Jerónimo, foi um factor da maior relevância.
Um grande abraço