terça-feira, janeiro 24, 2012

Dizendo coisas. Stiglitz e a minha tia.

Há quem goste de dizer coisas. Tinha uma tia que era conhecida por isso… O que não se escreve por crítica, pois então seria auto-crítica uma vez que tal gosto também por cá mora.
Desta vez, quer-se aqui falar de um Nobel da Economia, o Stiglitz, que gosta de dizer coisas. Não é o único, porque há um outro parecido com ele. O Krugman.
E, ao contrário, do que se costuma dizer, muito falam e bastante acertam. Mas…
Ora Stiglitz veio cá à “santa terrinha”, convidado a participar na conferência da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição… e disse coisas, em actos e em entrevistas. Muitas delas certas. Com pontaria. Algumas são de reter. Disse que “não há hipótese dos Estados Unidos entrarem em incumprimento porque devem dinheiro em dólares e controlam a impressora”… a não ser, acrescentou - a rir! -, que a impressora se estrague!
Esta foi uma forma original de pôr o dedo na ferida do actual período do capitalismo. No seu desvario financeiro-especulativo, em que o dinheiro perdeu as raízes materiais, se imprime sem que tenha de ter matéria-metal a que corresponda. Para o que importa lembrar a recente (sim, de 1971!) decisão de Nixon, quando unilateralmente decretou a inconvertibilidade do dólar, e pôs todo o sistema de pantanas, em favor do império com base no dólar fictício, falso, imposto politicamente pelas forças económicas do complexo industrial-militar, a servir-se, também, do crescente sub-império do sistema bancário-bolsista.
Mas… se Stiglitz pôs o dedo na ferida, não foi para a denunciar e procurar remédio que cicatrize. Foi para fazer graça. Aceitando a fraude como fatal, como fatal aceita o sistema que por aí, por esses ínvios caminhos da desvairada desmaterialização do dinheiro, anda e se insiste em que continue.
A “crise europeia”? Ah! De novo começando por acertar, Stiglitz disse coisas. Que assim não vai lá, que o euro deverá vir a… desmembrar-se, que o BCE tem de alterar o mandato, que é preciso dar atenção ao crescimento.
Mas… tal como para os Estados Unidos – o mesmo sistema, duas situações –, andou a remexer na ferida, sem sequer lhes botar sulfamidas. Indiferente, alheio, às verdadeiras causas: o ser capitalista o sistema, e tudo resultar do seu funcionamento nesta relação de forças em luta de classe.
Por isso mesmo, também Stiglitz se meteu onde (e para o que) foi chamado (e, decerto, muito bem pago!). Disse que o acordo de concertação social assinado em Portugal foi muito positivo, que “veio dar estabilidade à economia”. Quem muito fala…
Mas também disse que “há uma coisa que se chama multiplicador do orçamento equilibrado e que significa aumentar impostos – em rendimentos elevados eu eliminando distorções e benefícios – e usar esse dinheiro em educação para tornar a economia mais competitiva”.
Aumentar impostos em rendimentos elevados (há por ai tantos!), eliminar distorções e benefícios, aplicar em educação e tecnologia para se produzir mais e melhor (sem isso não há competitividade!)?
Bem prega frei Stiglitz! No entanto, ele sabe para que deserto prega, ou que os que o ouvem só conhecem rendimentos elevados tirados do trabalho, não os da exploração do trabalho, que as distorções e benefícios são apenas as dos trabalhadores porque uns ganham mais que outros, as das diferenças de mais-valias apropriadas, ignoram-se, por naturais. os altos rendimentos e distorções resultantes dessa apropriação de mais-valias, nas formas particulares de aplicação dessas apropriações – em lucros, juros, rendas, gastos supérfluos e luxuosos, alguns verdadeiramente escandalosos.
É o capitalismo, estúpido.

A minha tia também dizia coisas. E, se errava em muitas, muitas vezes acertava no essencial. Sem o saber…



(entrevista no Expesso)

6 comentários:

samuel disse...

Também um relógio parado dá as horas certas... duas vezes por dia.

Abraço.

trepadeira disse...

Se há coisa que não consiga ler é um raciocínio auto-truncado.São aqueles senhores que se limitam,propositadamente,para depois andar às voltas num recinto cercado pelos muros que construiram.

Já temos por aí que bastem,no poder,dos outros,dos tais que são mesmo limitados naturalmente.

Um abraço,
mário

Sérgio Ribeiro disse...

Samuel - o problema é que estes "relógios" estão a andar... e acelerados

trepadeira - e ficarão muito bem lá, dentro dos muros (virtuais, do pensamento) dos recintos que construiram... porque há outros.

Abraços

Graciete Rietsch disse...

É bom dizer algumas coisas acertadas, para dar crédito a outras como ,p.e.,considerar positivo o acordo de concertação social.
Mas as feridas estão abertas e é urgente dar-lhes remédio.

Um beijo.

Olinda disse...

Penso que estes economistas,andam às aranhas com a situaçao do capitalismo anarquico.Pretendem salvar o sistema a todo o custo,e há situaçoes que,em conjunto,nao foram previstas.Digo eu.

Abraço.

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

A propósito do Krugman: esse foi o senhor «Nobelizado» que escreveu - a propósito dos 150 anos do «Manifesto» esta pérola (que traduzo literalmente) «O que ele nunca conseguiu fazer foi propor fosse uma explicação compreensível para tais sobressaltos, ou alguma sugestão sobre o que fazer com eles (excepto abolir o capitalismo). Pelas minhas contas, o contributo de Karl Marx para a teoria económica vale tanto como o contributo de Zeppo Marx para a comédia. Ou como disse John Maynard Keynes, com mais alguma elegância, colocá-lo, o socialismo marxiano deverá permanecer sempre um agouro para os historiadores de opinião de como uma doutrina tão ilógica e tão chata pode ter exercido tão poderosa e duradoura influência sobre as mentes dos homens, e através deles, sobre os acontecimentos da história».
E ainda se gargarejam com a sua (deles) ignorância...
Meti-me a rever coisas sobre «Marx e Keynes» (para o já referido Congresso) e vou tropeçando nestas «alarvidades»... Verdade seja dita que também há alguns «keynesianos» com quem se pode dialogar.