do quase-diário:
No último
sábado, neste blog, reproduzi um texto de António Santos, perguntando-me se não se estaria a exagerar:
Nº 2511 (2022/01/13)
1861: o ano
novo dos EUA
Em 1861 Henry Adams lamentava-se que «nenhum na
América queria a guerra civil, nem a esperava, nem a antecipava». Na primeira
semana de 2022, parece que todos os homens (e mulheres) da América a antecipam,
a esperam ou a desejam.
«Vem aí a guerra civil?» perguntava,
na semana passada, a manchete do New Yorker. «Enfrentamos uma segunda guerra
civil?» ecoava, simultaneamente, uma coluna do New York Times. Três generais na
reforma retorquiam numa coluna do Washington Post: «mais uma tentativa de golpe
de estado» e ela pode mesmo estalar, avisavam. Entretanto, um estudo da
Universidade da Virgínia revelou que mais de metade dos 74 milhões de eleitores
de Trump acreditam que houve fraude eleitoral e defendem a secessão dos Estados
republicanos. 44 por cento dos democratas concordam em partir a federação dos
Estados.
No aniversário da patética
tentativa de golpe ensaiada e gorada no capitólio, Biden perguntou-se se «vamos
ser uma sociedade que aceita a violência política como a regra». Os sinais
estão lá: a percentagem de estado-unidenses que admitem recorrer à violência
para atingir fins políticos subiu de 10 por cento, na década de 90, para trinta
por cento; o número de ameaças de violência contra congressistas duplicou em
menos de um ano e, recorde-se, nos EUA há 434 milhões de armas para 330 milhões de pessoas e cerca 220
milícias. Oportunamente, Barbara Walter, uma consultora da CIA, promete
ter todas as respostas no seu novo livro: «Como as guerras civis começam e como
travá-las».
Os lunáticos tomaram conta do
hospício?
Trump, surpreendentemente,
embora enleado em processos judiciais, já escorraçado da Casa Branca e
permanentemente censurado pelo Twitter, pelo Facebook e pelo Youtube, nunca foi
tão popular. Segundo as últimas sondagens, reúne o apoio de 9 em cada 10
republicanos e conta com uma taxa de aprovação de 52 por cento dos
estado-unidenses— mais do que quando se sentava na sala oval e o suficiente
para sonhar com uma nova candidatura em 2024.
À medida que a hegemonia dos EUA esmorece, agravam-se as
contradições internas da burguesia. Essas contradições tomam as formas mais
diversas: são demográficas, num país urbano e democrata de costas voltadas para
um país republicano e rural; são eleitorais, na distorcida sobre-representação
dos republicanos no Senado; são económicas, na alta finança oposta à indústria e
são, crescentemente, políticas, na amplitude de soluções propostas para salvar
o capitalismo em crise.
É possível prever que 2022 traga, à semelhança de 1861, um clima político ainda mais polarizado, violento e volátil. É
difícil dizer se esse clima conduzirá a mais erupções localizadas de violência
ou à rotura da união dos Estados porque a resposta depende bastante de medidas
de loucura. Mas, tratando-se dos EUA, ninguém ficará surpreendido se um dia os
lunáticos tomarem conta do hospício. Por ser um hospício, primeiramente. E por
estar apropriadamente a transbordar de lunáticos, já agora.
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Ontem, em
Notícias Zap, podia
ler-se:
MUNDO
EUA: e uma
guerra civil em todos os Estados?
NUNO TEIXEIRA
DA SILVA
18 JANEIRO, 2022
Muitos norte-americanos aceitam o cenário de
cometer actos violentos
que atinjam membros do Governo.
Guerra civil? Nos Estados Unidos da América? Não seria sequer um tema
em 2022, para quase todas as pessoas. Mas, no início desse tal ano, as análises
à volta deste assunto multiplicam-se.
Ron Elving,
correspondente da National
Public Radio em Washington, e alguém que acompanha
constantemente os assuntos e os bastidores da Casa Branca, avisa: “Imagine
outra guerra civil nos EUA mas, agora, em todos os Estados“.
Não é um cenário
provável já para amanhã, ou para a próxima semana, mas a verdade é que vários
inquéritos nacionais demonstram que há muitos habitantes nos EUA que aceitam a
ideia de cometer actos violentos que atinjam membros do Governo. Não são a maioria, mas já são uma
minoria significativa.
Revelaram as sondagens
que 33% das pessoas achava que a violência contra o governo era “justificada, por vezes”. Esta
percentagem era de 10% em 1990.
Aliás, ainda em 2020, em
Outubro foi publicada uma sondagem nacional que revelou que a maioria dos
norte-americanos acreditava que o país já atravessava uma situação de uma “Guerra Civil Fria”.
Em 2021 a maioria dos
apoiantes de Donald Trump queria que o seu Estado deixasse de fazer parte do país. E, mesmo entre os
apoiantes de Joe Biden, uma percentagem considerável (41%) admitiam a
possibilidade de “dividir o país“.
Além dos problemas
sociais e das desigualdades económicas, fica a ideia de que as pessoas que
vivem nos EUA não acreditam no
sistema democrático do país. Sobretudo os jovens não acreditam.
Esta noção foi
transmitida por um inquérito revelado no mês passado, que também demonstrou que
um terço dos inquiridos disse que estava à espera de uma guerra civil nos
próximos tempos; e um quarto das pessoas pensa que, pelo menos, um Estado vai
passar a ser totalmente
autónomo.
Não se espera uma guerra
que cause 600 mil mortos (ou mais), como causou a guerra civil nos EUA. Mas
espera-se, e já é uma realidade, que assuntos importantes causem divisões
fortes entre Estados – e, ainda antes disso, “a guerra está prestes a
surgir à porta de casa
de cada um“, lê-se no artigo.
O desgaste é evidente,
a atmosfera é “tóxica”. E num país onde há 434 milhões de armas na posse da
população…
Nuno Teixeira da Silva, ZAP //