quarta-feira, fevereiro 02, 2011

A "bola" como "ópio do povo" ou da necessidade de metafisar

Naqueles idos anos da segunda metade da década de 60, uma das tarefas em que me empenhava era a de participar em colóquios em colectividades, para que me convidavam directores que eram, digamos…, cúmplices. Havia como que uma “rede” que, tac(t)itamente, se ia entretecendo, no conhecimento (ou não) de que uma organização partidária existia, clandestina, e lutava contra o fascismo, e com que se articulava (ou não), o PCP.
Destas actividades guardei recordações indeléveis, e tenho sempre vontade de… contar histórias. A propósito de um recente “incidente” por este “canto da blogosfera”, com troca de comentários, nem todos agradáveis, lembrei-me de um colóquio, numa colectividade ali ao Casal Ventoso, sobre desporto, enquanto relevante fenómeno social. Era um dos meus três temas – os outros eram economia e a situação da mulher – embora, em privado, tivesse o hábito de dizer que só falava (e como ia aprendendo…) de materialismo histórico.
Então nesse debate no Casal Ventoso, numa sala cheia porque o tema era apelativo, lá fui cumprindo o meu papel, procurando dizer coisas certas a caminho de um debate aberto com os presentes, debate que, normalmente, corria animadamente. Às tantas, também como que usando uma “muleta” ou “truque” de comunicação, apeteceu-me contar uma jogada de um jogo que vira há alguns anos, em que Portugal perdera com a Inglaterra 10-0, e que me ficara gravado pareceu-me. Foi uma jogada em que o Stanley Mathews, já bem avançado na idade (o que então se considerava acima dos 30 anos…), correu com a bola pela extrema direita , que era a sua (não politicamente) e parou frente a Francisco Ferreira, o defesa esquerdo da selecção; ao mesmo tempo que parou, levou as duas mãos às melenas e fez um gesto de as ajeitar ao longo da cabeça. Na fracção de segundo seguinte, perante a estupefacção do nosso jogador, passou-lhe a bola entre as pernas e contornou-o – como se faz às rotundas – indo apanhar a bola mais à frente, isolado em veloz correria, para a centrar para o meio da grande área onde o Tommy Lawton lhe meteu a testa e fez a bola entrar numa baliza em que o Azevedo (ou foi o Capela?) só a viu passar (se é que a viu!) para ir bater no fundo das redes.
Então não é que, da assistência, lá do fundo, se levantou uma voz um pouco avinagrada a dizer entre-dentes mas bem audível “aí que este gajo é lagarto!”? A irritação daquele interlocutor vinha do facto do Xico Ferreira (grande jogador…) ser um símbolo do Benfica, de que foi muitos anos capitão, e “aquele gajo”-eu, ao contar assim a história, só podia ser do Sporting, na interpretação de quem tudo na vida resumia à rivalidade entre “lagartos” e “lampiões” (os "dragões" ainda não não tinham ganho estatura de grandes, o terceiro grande era o Belenenses, "os "pastéis de Belém"...) .
Tirando esse “incidente”, lembro-me que o colóquio correu muito bem.

11 comentários:

Mário disse...

Ora ai está uma questão importante, o troquelado (imprinting).

Porque é o condicionamento daqueles que acompanham a formação do indivíduo que habilita imagens e provoca associações que limitam o seu protagonismo na evolução da sociedade, é no espaço para a adaptação que é reclamado pela variabilidade que se torna fundamental incidir.

Pessoalmente sou mais de música que de futebol, etc. Coisas da liberdade.


Um abraço

Anónimo disse...

Chamar coisas da liberdade a um reflexo condicionado, estava longe da imaginação de Pavlov, de facto a imaginação não tem limites, e a ignorância também não.

Mário Pinto disse...

Anónimo,

Por acaso deve ser um reflexo condicionado a apetencia para a música. Por outra parte, Pavlov e ignorância, isso sim, condicionamento. De outro tipo, quase apenas instrumental, para o qual contribui esta resposta.

E a emancipação, de que tipo é?

CRN disse...

adenda:

"Contribui".. no sentido do desvirtuar.

Graciete Rietsch disse...

De futebol não percebo muito, para não dizer nada. Mas vi uma vez um golo do Maradona que me ficou gravado. Desse golo gostei. E gosto também um bocadinho do Benfica,mas sem entusiasmos de maior, até porque não sei apreciar um jogo de futebol.
E há outras coisas para nos apaixonarem.

Um beijo.

samuel disse...

Já o que Pavlov adorava era o tipo de reacções do anónimo das 12:47. Acho que até fez uns trabalhos sobre a coisa... :-)))

Abraço.

Anónimo disse...

Como não me apetece continuar a ler as idiotices deste blog, a partir de agora nunca mais o consultarei. Isto é o espelho do Portugal que vemos, como disse Eça de Queiroz a Fialho de Almeida num outro contexto, claro.
Até sempre...

Fernando Samuel disse...

Ainda bem que o «anónimo» se foi embora - assim, já posso confessar, sem receio de ser linchado, que gosto de futebol e sou benfiquista...
E já agora: que ouço muita música, leio muito, vou ao cinema e ao teatro, visito exposições de artes plásticas... - e ainda vou tendo tempo para militar no meu PCP (ao qual aderi no mesmo ano em que me fiz sócio do Benfica...)

Um abraço grande.

Anónimo disse...

Pois... futebol é para mim uma grande confusão e, de certo modo, um mistério ainda maior.
Mas, o Eusébio, em campo, tinha a beleza de movimentos de um autêntico bailarino. Até eu dava por isso, na TV e sem ser a cores.

Campaniça

Sérgio Ribeiro disse...

Desculpem-me todos os outros comentadores e visitantes mas este anónimo da 16 e 14 colocou-me perante um tremendo dilema: valerá a pena continuar sem a sua tão prestimosa e valorizadora participação?
Hom'Eça!
O que vale é que por cada anónimo que não, logo aparece um anónimo que sim...

É cá preciso uma lata pesporrenta!

Sérgio Ribeiro disse...

E esta, hem?! Porque razão é que não contei esta historiazinha, passada há mais de 60 anos no Estádio Nacional, no "ficções do cordel"?
Nunca esperei este "sucesso", com Pavlov, Eça, Fialho, a "condição humana" e etc. e tal.
Ainda há quem negue que o futebol é q'induca!
Lembram-se dos "5 violinos" do tempo em que eu era sócio do Sporting e frequentador do Lumiar-A, pelado e sem iluminação para jogos nocturnos.
Aquilo é que era!