A economia da Revolução
– Sérgio Ribeiro (7 minutos)
A economia nos caminhos
abertos
por Abril
e pelos
governos Vasco Gonçalves
O acto libertador dos capitães de Abril, laboriosamente preparado - fruto
e no quadro de uma resistência que nunca desistiu -, foi o minuto histórico
do tempo da euforia de respirar LIBERDADE. Logo depois - nas horas do relógio
da História que se seguiram - foi o tempo de confrontar a situação de um país
atrasado economicamente. Em inevitável mudança.
Um País no final do III Plano de Fomento (1968-73), que definira coisas que
se impunham, como a extinção dos distritos e a criação de regiões, no arranque
de um IV Plano de Fomento (1974-79) que a nada poderia dar continuidade porque
nada pressupunha de mudança, no rescaldo de uma reforma industrial que
derrapava, em arranjos para que a diluição da EFTA com a adesão do Reino Unido
e outros à CEE, nos arrastara com a assinatura de um acordo comercial com a mesma
CEE, em 1972.
Assim se entreabrira, tímida e forçadamente, a autárcica economia
portuguesa dominada por um reduzido número de grupos monopolistas, num Estado (que
os criara, no algodão em rama de todas as protecções), num Estado por esses
grupos domesticado, orçamentalmente garrotado por uma guerra colonial que se
prolongava até à derrota final e que, de certo modo – perverso… –, internacionalizara
a nossa economia e punha Portugal como um dos centros de um mundo em ebulição (crise
monetária, crise do petróleo, importância crescente, no contexto internacional,
do “mundo socialista”, de países ex-colónias, de não-alinhados)
Nesses anos de encruzilhada, o Portugal nascido teve, ainda, de confrontar,
objectivamente, uma fortíssima pressão demográfica – fecho da “válvula de escape”
da emigração, desmobilização militar e retorno das colónias, desemprego por
ausência de investimento – que coincidiu e se juntou à fuga de capitais, ao
abandono de empresas, à sabotagem, ao boicote até ao terrorismo, na ilustração
da luta de classes - em que uma trincheira procura, de todas as formas, impedir
a alteração da correlação de forças.
Nessa transição, é sintomático o papel de Spínola, como presidente de JSN,e
depois Presidente da República, mas sempre ligado ao grande capital
nacional (ao Grupo Champalimaud, de que fora secretário-geral da Siderurgia
Nacional… o que é “esquecido” na biografia “oficial”), apadrinhando o MDSE[1]
e iniciativas parecidas, na economia e na política, sempre a puxar (ou aempurrar)
tensões para, por todos os meios (os fins a justificarem os meios…), impedir o
caminhar pelos caminhos que Abril abrira.
Assim foi até à
clarificação, com os governos Vasco Gonçalves. E depois, clarificadas as
posições, num confronto com episódios e datas como o 28 de Setembro de 74 e o
11 de Março de 75.
De 18 de Julho de 1974, posse
do II Governo Provisório, a 6 de Setembro de 1975, data da demissão do V
Governo Provisório, são os “governos Vasco Gonçalves”. Menos de
14 meses, 415 dias (mais dia, menos
dia…. Quantos bastaram para que, enquanto se testava, dia a dia, hora a hora, a
mudança na correlação de forças, se mudasse o País que éramos.
Como resumidamente
inventariou o professor Teixeira Ribeiro:
“…desde o congelamento
das rendas urbanas e a nacionalização dos bancos emissores, a que procedeu o II
Governo, e a lei de arrendamento rural, obra do III, até às nacionalizações dos
sectores-chave e das empresas monopolistas, decretadas quase todas pelo IV
Governo, e algumas pelo V, à reforma agrária do IV Governo, e à Lei do controlo operário, aprovado pelo V,
mas que não chegou a ser promulgada…”.
E a economia portuguesa
resistiu. Com a Aliança Povo-MFA, com governos – os governos Vasco Gonçalves – a
apoiar o trabalho e os trabalhadores. E a resistir, nessa condição de governos
da nação, a todo o tipo de ataques. Dos interesses beliscados, fossem eles
económicos, de grupos nacionais ou internacionais, fossem eles de partidos com
uma concepção de democracia que abandona esta à porta das empresas e tem a
acumulação do capital como motor da economia, como se não fosse o trabalho o
único criador de valor.
O facto é que, como de
norma a quem sucede e se quer escudar na “pesada herança” que teve,
a avaliação/auditoria
pedida no final de 75 e realizada por uma equipa de técnicos no âmbito da OCDE –
onde se integrava o jovem Paul Krugman, hoje prémio Nobel e “guru” de tantos
economistas –, considerou estar a economia portuguesa de surpreendente saúde.
Surpreendente? Talvez…
para quem tivesse, e tem!, concepções de economia que assentam não no
trabalho mas na exploração dos trabalhadores.
Apesar da contra-revolução na gestão dos negócios do Estado, e da indiferença
perante avaliações positivas… e surpreendentes, com a alteração da correlação
de forças sociais que levou à formação dos “governos Vasco Gonçalves”, e
espaldou a sua acção, estes governos contribuíram para a dinâmica de massas
para além da sua própria existência.
Essa dinâmica ainda conseguiu impor avanços significativos. Na reforma
agrária, por exemplo,e, após eleições que pareciam poder contrariá-los, uma Constituição.
Uma Constituição que veio consagrar, no seu âmago e mormente no plano económico,
com a articulação dos três sectores – público, cooperativo, privado – e a
prevalência do trabalho e do sector estatal na defesa do interesse geral, contrariando
a tão procurada efemeridade das conquistas revolucionárias. Ao que poderia
juntar, como significativo dado, o Plano de médio prazo 1976-80, com os
caboucos nos 400 e poucos dias levados até uma missão plurinacional do Programa
Mundial de Emprego da OIT[2],
missão que elaborou esse plano chamado de emprego e necessidades essenciais,
que o 1ºgoverno constitucional ainda aprovou mas meteu na gaveta, arrumando-o ao
lado de um indispensável Sector Empresarial do Estado, de um IAPMEI, de uma
EPPI, … do socialismo, enfim.
Mas não se trata de arquivo
morto!
(como o pode demonstrar
esta edição da Organização Internacional do Trabalho, Nações Unidas
para memória futura: Employment and basic needs in Portugal, 1979)
e sobretudo
porque houve governos Vasco Gonçalves,
porque Vasco Gonçalves,
o companheiro Vasco, está vivo em nós,
porque houve governos Vasco Gonçalves,
porque Vasco Gonçalves,
o companheiro Vasco, está vivo em nós,
porque tudo temos vivo em nós
e vivo vamos transmitir aos que nos continuam.
[1] - M de
Movimento, D… de Democrático?... não!, de Dinamizador, S… de Social ou
Socialista?... não!, de Sociedade, E… de Económico?... não!, de Empresa!
[2] - com base num modelo econométrico com um nome
curioso PORNO – de Portugal- Noruega – e que nos fazia sorrir, ainda mais
pensando na Secretária de Estado do Plano, Manuela Silva, que veio a
demitir-se.
7 comentários:
Excelente texto!
Eu estive lá ontem e hoje. Além de não se esquecer vamos sempre acrescentando mais detalhes. Parabéns à organização e todos os presentes.
Estive tão atenta à tua intervenção que falhei a foto...
Esperemos que o blog da Associação transcreva o que se passou no Congresso todo!
Abraço.
Temos que usar todos os meios que respeitem a vida humana para combater esta direita nazi.
Os Governos de Vasco Gonçalves foram os Governos da Esperança.
Precisamos que sejam mais lembrados e mais esclarecida toda a mentira que se propagandeou, em seguida.
De facto Vasco Gonçalves merece mais, muito mais.
Um beijo.
E lido... ainda soou melhor! :-)
Grande abraço.
Quase fui ao Congresso...mas, "tive" de ir para a Atalaia, para a nossa Festa.
Como gostaria ter ouvido o teu discurso e o de tantos outros.
Grande intervenção a tua, vou imprimi-la.
GD BJ,
GR
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