No debate de ontem, na TVI24, alguns dos “deputados
constituintes” relataram, com algum colorido dramatizador, o “cerco” a que
foram sujeitos, dando-se uma dimensão heroica ou mártir, ao mesmo tempo que
acusavam (ou insinuavam) o PCP culpado de todas as sofridas malfeitorias.
Jerónimo de Sousa, com serenidade e contenção, lá esclareceu o que (e como) foi
possível, mas ficou no ar a ideia de cerco houve e vítimas dele também... com os comunistas a serem os fautores.
Sendo, nesse dia 12 de Novembro de 1975, director-geral do Emprego, estava a trabalhar na Praça de
Londres, assisti ao começo de tudo e
acompanhei o episódio de que cada um terá a sua versão, embora não deva
deturpar os factos que a possam fundamentar. Por mim, direi – só, e por
agora! – que vi (e estive) com os trabalhadores da construção civil que se
tinham dirigido ao Ministério do Trabalho – do 6º governo provisório, sendo então ministro o capitão
Tomás Rosa – para se manifestarem relativamente ao seu
contrato colectivo e, não tendo sido recebida uma delegação pelo ministro,
resolveram deslocar-se à sede do governo, em S. Bento, onde também se
encontrava reunida a Assembleia Constituinte. A manifestação foi engrossando
pelo caminho, mudando de objectivos… e deu no que deu.
Raquel Varela tem um texto em 5dias.net retirado de livro seu
que corrobora o que vivi. Transcrevo-o, não sem antes reagir ao introito a essa
sua auto-citação por me parecer desnecessário e provocador o parenteses na
frase “… surpreendi-me, concluindo que o PCP não é um partido monólito (a
sua direcção era) …”. Ou talvez seja só incompreensão (ou ignorância) do que são as
regras estatutárias que todos os militantes candidatos a militantes do PCP têm
conhecer, como o “centralismo democrático” e a “direcção única” (que nada têm a
ver com “monólito”… que nem sei bem que seja quando assim aplicado)
“A
12 de Novembro de 1975, uma grande manifestação de operários da construção
civil, algumas dezenas de milhares, cerca o Palácio de São Bento, em Lisboa,
onde se reunia a Assembleia Constituinte. O cerco dura dois dias. A
manifestação, que começa por centrar-se nas reivindicações laborais do sector
da construção civil e que se radicaliza pela recusa do Ministério do Trabalho
em receber os trabalhadores, converte-se rapidamente numa mobilização contra o
VI Governo. Uma demonstração de força dos trabalhadores que questionam a
própria Assembleia Constituinte, ao sitiar o seu local de reunião e sequestrar
os deputados aí reunidos. O PCP participa na manifestação com prudência: acusa
o Ministério do Trabalho de ser inoperante e de ter uma política de «avestruz»
ao negar-se a receber os trabalhadores; considera inaceitável o Ministério ter
resolvido encerrar as suas delegações para não receber estes trabalhadores[1];
exige que as reivindicações dos trabalhadores da construção civil sejam
satisfeitas. Mas opõe-se firmemente ao cerco, num comunicado distribuído ainda
no próprio dia 13: «O PCP considera que os acontecimentos desenrolados à volta
do Palácio de S. Bento no decorrer da grandiosa manifestação e concentração ali
efectuadas são da inteira responsabilidade do Ministério do Trabalho e do
Governo. Durante bastante tempo os trabalhadores foram entretidos com falsas
promessas (…) Apoiando a manifestação e a concentração de S. Bento, o PCP discorda,
porém, do sequestro dos deputados da Assembleia Constituinte e do
primeiro-ministro. (…) o sequestro não é forma de luta que favoreça os
trabalhadores»[2]. Mais tarde, em 1976, no balanço que faz
da actuação da esquerda militar na revolução (no capítulo «Avanço impetuoso da
revolução» da obra A
Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro),
Cunhal afirma que o cerco, tal como outras acções, fora provocado pela esquerda
militar e pelos «esquerdistas» a ela associados: «Tanto as lutas de massas como
as lutas militares foram negativamente influenciadas por manobras esquerdistas
para se assenhorearem do processo e para empurrarem sistematicamente as acções
para choques com as forças armadas. Tal sucedeu com o cerco ao VI Governo
Provisório em S. Bento pelos deficientes das Forças Armadas e pelos
trabalhadores da construção civil, com o caso Rádio Renascença conduzido ao
paroxismo pela aventura, com certo verbalismo na 5.ª Divisão, com a «bagunça» esquerdista
pseudo-revolucionária em algumas unidades como o RALIS e a PM»[3].”
(In Varela, Raquel, História
do PCP na Revolução dos Cravos,
Lisboa, Bertrand, 2011).
3 comentários:
Cuidado com a dona Raquel que dá sempre uma no cravo e três no PCP.
Inteiramente de acordo.
Até porque, como se pode ver pela amostra junta, ao dar uma no cravo teve necessidade de começar por dar uma martelada na ferradura!
Há muito, que não assistia a um debate,
com gente tão acusatória ao PCP!
Seria ,por estarem lá alguns jovens a quem esta gente quer passar a imagem,de que todo o mal do Mundo foi causado pelos comunistas...???
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