Há umas semanas iniciou-se esta série de palavras com sentido, a propósito da questão das palavras que, aparentemente - e muitas vezes de forma e intenções perversas -, parece quererem dizer o mesmo. Para arranque, enunciaram-se cinco - cidadão, eleitor, utente, cliente, contribuinte -, e intentou-se começar (e vir a acabar...) por arrumá-las, sucinta e sucessivamente.
Três já o foram - cidadão, eleitor e utente -, embora a primeira esteja sempre presente, até pela razão de ser desta série, ligada ao convívio semanal na Universidade Sénior de Ourém à volta do tema cidadania.
Pela palavra cliente passar-se-á sem grandes detenças, talvez por uma certa antipatia vocabular, mas também para recuperar deste intervalo em que o 25 de Abril se intrometeu e criou um hiato na série. Aliás, querendo essa fantasmagórica entidade a que se chama "o mercado" que tudo - e todos - se reduzam e/ou avaliem como clientes, a mera referência ao seu uso e abuso permite a passagem à consideração de outra palavra usada e abusada, que é a de contribuinte, formando as duas uma parelha com que se pretende substituir a palavra cidadão, com trânsito por utente num sentido redutor.
Dicionariamente, contribuinte é, como adjectivo, "o que contribui" e é, como substantivo masculino e feminino (hermafrodita!... ou porque alguns/algumas puristas/puristos ainda não inventaram o neologismo contribuinta...), "a pessoa que paga contribuições, impostos".
No entanto, quem fizer esta procura num "aparelho de busca" internética (como foi o caso) logo apanha com um chorrilho de "entradas" que remetem para portais de finanças, números fiscais e tudo o que trata, em exclusividade, o substantivo e assim exclui o adjectivo.
Ora, quem pretenda ser "o que contribui", com sentido adjectivo - e é o nosso caso, enquanto cidadãos -, não pode aceitar que se reduza a cidadania à substantividade de pagador de contribuições e impostos (ou de impostas contribuições...). Pelo que se reage, naturalmente, à exigência de, antes do cidadão acabado de nascer sair da maternidade, se lhe atribuir um NIF (número de identificação fiscal), e não se lhe dê um cartão de identidade cidadã... ainda que sem fotografia, porque esta rapidamente perderia a faculdade identificadora.
Escrevendo muito a sério: para a vivência em sociedade, e para que o cidadão seja utente por haver serviços públicos que possibilitem a concretização dos direitos instituídos (e constituídos), há que haver contribuições cidadãs, isto é, que os cidadãos, com as suas contribuições (ou seja, como contribuintes), as viabilizem. O que deve ser organizado pelo Estado. de acordo com as suas funções ao nível do executivo, executando o deliberado e constante dos programas dos que se proponham representar os concidadãos, através da escolha dos cidadãos eleitores. Por isso, falseiam a representatividade a que se candidatam os partidos que se propõem ser dos contribuintes sem que tal integre numa clarificação do seu entendimento de cidadania.
Que cada cidadão tenha rendimentos proporcionais aos seus contributos para a "riqueza das nações" e, proporcionalmente a esses rendimentos, seja cidadão contribuinte para que TODOS possam ser cidadãos utentes de serviços públicos em igualdade de condições.
Claro que haveria muito mais a dizer, mas isto são apenas pistas de (começo de) reflexão.
2 comentários:
Mais uma explicação,interessante!
O entendimento de cidadania anda muito pervertido!Convem-lhes!
Bjos e bom desfile!
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