Sou de outro tempo. Sou do tempo dos partos sem assistência médica (ou
qualquer outra) entre a cava da vinha e a apanha da azeitona, sou do tempo das viúvas de vivos (emigrantes “de salto”) – excelente o título do livro de Joaquim
Lagoeiro –, sou do tempo de antes de Maio de 1968 e sua mitologia libertadora.
Por acaso de circunstâncias, sou também deste tempo de hoje. Sou deste tempo de
juízes criadores de “causas fracturantes”, de sentenças ou despachos (de
libertação ou de dispensa de pulseira para criminosos) auto-denunciadores de
mentalidade de outros tempos... ou sem tempo, ultra-reaccionária.
Sou do tempo que medeia estes dois tempos. Sou, também de todos os
entre-tempos, sempre atento e procurando intervir nesta área da condição das
mulheres na sociedade do seu (e nosso!) tempo.
Por isso, estive na criação (em 1968) do Movimento Democrático das
Mulheres, e suas primeiras iniciativas, por isso fui membro (e relator) da
comissão das mulheres no Parlamento Europeu. Por isso, me congratulei de a
violência doméstica ter passado, por lei, a ser considerada crime público.
Por isso, hoje se assinala, aqui, este dia.
Por isso, estarei na manifestação de 9 de Março de 2019.
Mas, atenção, não a partir de uma mobilização momentânea e mediática
contra um expiatório juiz (e suas posições), que não mais é que o infeliz reflexo
de uma mentalidade resquício não despiciendo do tempo que ainda vivemos.
Lembrarei o 8 de Março e estarei
nessa manifestação (e noutros actos) enquanto luta por uma outra sociedade, de
que expurguem as desumanas sequelas de séculos que foram e antecederam o século
que nos calhou viver (parte do XXº e este XXIº) e os que virão.
2 comentários:
És muito deste tempo, como és muito do tempo que viveste intensamente antes deste. E como toda essa herança de vivência se reflecte bem no excelente texto que escreves sobre estes dias de Março!
Este tempo que ainda é o nosso é quão diferente de outros tempos que também foram nossos?Nos entretantos dos tempos que nos foi dado percorrer,melhores momentos houve.Bjo.(Não vou à manifestação,com muita pena minha ,por "impedimento" de duas mulheres de outros tempos.)
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