terça-feira, fevereiro 01, 2011

Sobre prendas e prebendas

Entre os acontecimentos que me dão alegria e verdadeiro gozo de viver, está a surpresa que às vezes temos de encontrar, ao regressarmos a casa, o pátio com molhos de hortaliça, sacas de batatas ou outras primícias, que vizinhos lá deixaram das suas colheitas. Já nos aconteceu não termos conseguido descobrir quem foram aqueles que nos prendaram...
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(atenção: a mudança nos tempos dos verbos não resulta de erro ou distracção mas sim de estar a escrever sobre o que sinto eu com o que nos acontece a nós, embora saiba que ela também fica toda contente, e é quem mais se preocupa em “saber quem foi” porque se atribui a grata incumbência de agradecer…)
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Assim sendo, eu fico mesmo feliz com estas provas de boa vizinhança e amizade, sobretudo quando, estando em casa, posso ser eu a agradecer com uns copos de permeio a sau(l)darem, por exemplo, a galinha do campo ali do vizinho amigo, cuja acaba numa panela de canja e num tacho de fricassé, que nos vai dar para uns dias…
Pensava nisto a propósito, não de uma recentíssima franqueza destas, mas de testemunhos de eminentes personalidades que, em tribunal e na comunicação social, justificavam, ou eram questionadas, sobre prendas e prebendas.
Nunca me passou pela cabeça que os meus vizinhos, ao oferecem-me o que tanto prazer me dá, como manifestação de amizade e boa convivência, tivessem segundas intenções, as de virem a receber favores meus, políticos ou outros, ou esperassem que favores lhes viesse a fazer. Se tal me acontecesse, o prazer virava desgosto e as prendas seriam recambiadas, não com agradecimentos mas com discursos pedagógicos, decerto insuportáveis, sobre ética e coisas dessas.
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Uma coisa fique clara. Há que recusar – para mim é, quase diria, vital – o ambiente moral em que "não há almoços grátis", frase que elegi entre as que mais repudio porque nega a existência do gosto de convívio e da solidariedade, sem nada se esperar em troca, ou em trocos. Por isso, há que saber distinguir o que é oferecido porque sim e pronto!..., e o que é entregue tendo "uma volta na ponta" (escondida ou bem à vista) .

11 comentários:

GR disse...

As galinhas, flores ou couves são prendas de Amizade, uma demonstração de muito carinho pelo casal, a única coisa que querem em troca é um sorriso, uma troca de palavras quando se encontram. Aliás, como costumo dizer, são Gestos de Afectos, um grande prazer para quem dá!
Já os “robalos”, pratas, cristais já são agradecimentos a um suborno.
Sou contra a “gorjeta” qualquer que ela seja, desde ao mais humilde funcionário público, até aos corruptos ministros que enriquecem com estas insignificantes lembranças.

Bjs,

GR

Sérgio Ribeiro disse...

GR - Olá, amiga e camarada.
É isso mesmo, ou melhor, é assim que interpretamos e nos dá grande alegria... e, pelo outro lado, mais força para lutar.
Beijos

Jorge Manuel Gomes disse...

Todos nós sabemos distinguir intuitivamente as prendas das PRENDAS.
Uma galinha ou um saco de batatas caseiras são muito diferentes de 200.000€ em acções ou uma mansão na coelha.
E é precisamente por isso que o Partido, que é o nosso, entregou no Parlamento uma proposta para criminalizar o enriquecimento ilícito (pela 4ª vez desde 2007).
É preciso e é urgente perceber de onde vem e para onde vai tanta riqueza sem pagar imposto.

Um abraço.

Jorge

Pata Negra disse...

Receber prendas só por que se ocupa um determinado lugar propenso a valiosos favores? Sampaio e Catroga podem não ser corruptos mas são, no mínimo, uns descarados!
Um abraço sem capoeira

Sérgio Ribeiro disse...

Jorge - Toda a razão. E, depois, há o atirar areia para os olhos, como a petição do Correio da Manhã, que só serve para isso enquanto se ignora ou esconde as nossas iniciativas.
Um abraço

Anónimo disse...

Ora a minha vida! Gostava de comentar este post do anónimo século XXI mas, a GR e o Sérgio Ribeiro tiraram-me as palavras da boca.
Agora, o que é que faço? Como não tenho palavras... calo-me.

Campaniça

Graciete Rietsch disse...

As prendas mais valiosas são as da amizade. Essas é um orgulho recebê-las.

Um beijo.

Maria disse...

É exactamente como dizes! Embora eu goste de dar robalos aos amigos, porque são do melhor que tenho em casa...
Diz lá quando é que a dita vai de fricassé, que eu também gosto! :)))

Beijo.

samuel disse...

Há e continuará a haver grandes almoços! Gratificantes, confortáveis como abraços... e sem preço!

Abraço.

Anónimo disse...

A frase que tanto detestas, que tanto detestamos é aquela que pretende simbolozar que todas as relações sociais se fazem na bas das relações mercantis. Foi e é usada e abusada para desacreditar o poder colectivo, a solidariedade, a camaradagem e, especialmente, a perspectiva histórica de que é possível construir o Nosso futuro.

Ricardo disse...

Desculpem, mas o anónimo sou eu...