Breves notas sobre uma passagem por outro círculo (ou circuito)

Ontem viajei por outras paragens. Passei por círculos inabituais. Fui ao CCBelém assistir a uma representação de uma ópera do século XVII em encenação de 2012, de/com gente de hoje. Eu (que sou de ontem) fui ver por razões e apetências familiares. E comprovei - mais uma vez - que vivemos em círculos concêntricos... mas também secantes (não no sentido de "seca"... mas de que se cruzam como as paralelas que se tocam).

Fui ver Vénus & Adonis. «Venus & Adonis parte da vontade de fazer uma ópera deliberadamente desprendida dos cânones de virtuosismo a que a ópera é associada.

Em cena, os autores deste espectáculo, ambos leigos musicais, constroem um espaço, onde é interpretada, na medida das suas capacidades, a ópera barroca Venus & Adonis que John Blow compôs em 1683 para a corte de Carlos II de Inglaterra. Recorrem a um coro que acumulará as funções de orquestra. (...)» (do programa).

  ("ouver" para este domingo)

Fui ver e gostei. Senti-me estranho, concêntrico mas também secante cruzando-mecom um tempo outro mas também meu. Também pelo gosto pelo teatro, pela sempre presente vontade de ser mais que espectador passivo, empático.

Há ali muita criatividade, muita ideia a borbotar, gente com talento a pô-las em cena (a expressão vocal e musical de Vénus e do coro, a expressão corporal de Adonis). Há, ali, muito trabalho de grupo, colectivo e com uma direcção.

Poderia arrolar aspectos que fundamentariam uma crítica... se crítica estivesse a fazer. Alguns, irei deixar:

a ausência de referência ao poema de Shakespeare, traduzindo uma desvalorização do texto realativamente às expressões musicais, corporais;  um abuso de "efeitos de cena", resultado de tanta ideia e de ausência de poda nessa avalanche de "invenção" (excelente a do discóbolo, em que o disco é uma sapatilha); a deficiente concretização da ideia (muito boa!) de transformar um espectador em "rei" a quem o divertimento seria dedicado (o skipe, embora meio a trabalhar, não me pareceu bom veículo para a ideia).

Em resumo, e pela terceira vez: gostei.