quarta-feira, dezembro 28, 2016

Textos & Contextos - Palavras maltratadas-1

As palavras maltratadas são, hoje, as mesmas dos textos de ontem: tempo e trabalho.
São-no, a meu juízo, de maneira diferente. 
Num caso (o do texto opinião de António Guerreiro-"Trabalho, tempo, dinheiro"), por se lhes ter juntado, em cohabitação, uma outra palavra que, por maltratada ser, invade o significado das duas que tanto prezo e que fazem parte de uma meia dúzia de conceitos que me moldam como ser que humano quer ser (e contribuir para que todos os seres humanos possam vir a ser humanos no seu tempo).
Não que dinheiro seja perverso e intrusivo em si mesmo. O dinheiro é uma das grandes descobertas da Humanidade, e se houve economista que se atreveu a colocá-lo, curiosamente, entre as coisas que, tal como o guarda-chuva só nos apercebemos da sua existência e utilidade quando dele precisamos e não o temos... porque chove ou os bolsos estão vazios (ou cheios de cotão e não de tostão) não chega.
A necessidade das coisas não as define, não diz o que são, até pode desconhecer aquilo que foi a sua origem e é a sua natureza, esconder para o que foram criadas pelo trabalho, e para o trabalho... Dizer que nos falta dinheiro, ou que jeito nos daria ter mais algum, ou que não se sabe o que se faria se a lotaria ou o euromilhões nos inundasse de dinheiro, ou que não basta a alguns o imenso dinheiro que têm, tão insaciáveis e capazes de tudo para multiplicar o que já em muito lhes sobra, são ditos e frases (e uma infinidade delas se poderiam acrescentar) que, traduzindo realidades, nos afastam do verdadeiro significado da palavra, ou no que ela se tornou com o rolar do tempo.
Ora dinheiro é aquilo em que se foi transformando o meio de troca que permite que quem produz pão e precisa de sapatos não tenha de procurar um sapateiro que precise de pão para entre si trocarem. Por várias etapas se foi passando. E ignorando essa génese que não perdeu razão de ser... O dinheiro troca produtos diferentes de trabalhos diferentes em espaços e tempos diferentes, relaciona seres humanos na procura de satisfação das suas necessidades. 
Este processo histórico (no sentido de procedimentos humanos) percorreu e percorre séculos de séculos, e - no contexto mediatizado de hoje, 28.12! - seria oportuno (ou oportunista) dizer umas graças e fazer baixa política ao aproveitar coisas ditas irresponsavelmente sobre feiras de gado, que é onde os proprietários de gado iam - e vão - trocar o seu gado por dinheiro que lhes permita trocar por coisas de que necessitam... para si e para a manutenção e criação de mais gado seu. Mas adiante...
O que queria ainda deixar dito (ou escrito) é que a introdução do dinheiro para, formando um terceto, compor uma mesa de pé de galo, desvirtua as palavras trabalho e tempo, tornando-as de definição condicionada por um tipo de relações sociais que assenta na contemporânea utilização do dinheiro. Relações sociais que, negando formalmente a escravatura e libertando o ser humano da ligação e servidão à terra e natureza, criaram uma mercadoria força de trabalho como se fosse mera peça de uma engrenagem, mercadoria igual a qualquer outra. E não o é!, porque essa força é a que cria valor (de troca e uso), e tudo se estrutura (e desestrutura) ao haver troca desigual no acto de usar essa mercadoria em tempo superior ao que ela necessitou para o que criou para a troca, através dos tempos.
Dir-me-ão que esta base de reflexão está ultrapassada, que é obsoleta. Talvez... mas, com base nela, percebe-se o que se está a passar, enquanto que sem ela verifica-se que ninguém se entende, mesmo quando anda lá perto com reflexões sobre trabalho e tempo.
Caminha-se para um beco sem saída. 
Ou com a saída da superação do tipo de relações humanas comandadas pela busca de acumulação de um dinheiro fictício, desmaterializado. Ou a destruição de tudo... para o que o ser humano, com trabalho e tempo, foi também criando condições.

Amanhã, tratarei do outro texto 
no contexto dos horários de trabalho, 
do tempo de férias e dos feriados
     

1 comentário:

Olinda disse...

A lei do valor da mercadoria força de trabalho terá sempre outra interpretação de quem defende um sistema capitalista.Achei muito interessante o teu texto.Aprender,aprender,aprender!Bjo