De
confinamento, prisão (política)
e
acantonamento.
Pelas portas, janelas e pelas frestas do convívio
com familiares, amigos, vizinhos ou ocasionais, o confinamento entrou-nos em casa e nos quotidianos. E não nos deixa sair
e dificulta o conviver, isto é, o viver com os outros.
Com um certo e redutor sentido de liberdade, houve quem se sentisse preso
e fizesse analogias com situações de um passado que a celebração do 25 de Abril
lembrou, em que alguns de nós estivemos privados de liberdade. E nalguns
(muitos) casos violentamente. Não para nos impedir (ou punir por) comportamentos
agressores das regras do convívio, mas por lutarmos contra a opressão e
repressão de todos, por uma outra forma de organização social e
humana, pela liberdade, enfim
(seja ela o que cada um entenda).
Essa analogia do confinamento com prisão
(política) é incorrecta, e pode ser perturbadora e perversa. E é-o, naturalmente,
para quem esteve preso político (dentro das prisões ou num quotidiano de
liberdade claramente condicionada) e hoje vive confinado.
Num diário (Público),
em destaque dado ao 25 de Abril, foi publicado um texto de um conselheiro de
Estado (Domingos Abrantes, comunista)
que faz a destrinça inequívoca entre as duas realidades – Duas
realidades a não confundir – que, com a autoridade de quem viveu a privação
da liberdade e a sofreu com toda a violência fascista, merece… destaque e
reflexão.
Há ainda uma outra (e muitas mais situações haverá,
porque cada um de nós tem a sua…) situação que merece ser referida, a de acantonado.
Pode viver-se numa aparente
liberdade conquistada (e digo aparente, a partir de concepção de liberdade, que
não se pretende impor a ninguém, mas que me arrogo direito de ter), pode não se
estar obrigado, socialmente, a confinamento, mas um indivíduo ou um colectivo sentir-se
acantonado. Ou seja, para simplificar, metido num canto… por pressão e opressão
social, pela correlação de forças sociais, a vários níveis, e particularmente
na chamada comunicação social. Contraditoriamente (como é a vida…), pode estar – o indivíduo ou o colectivo – convencido que
tem coisas a dizer, que tem papel a desempenhar no palco do viver colectivo, e
sentir-se envolvido num cordão ou invólucro sanitário tácito de silêncio, ou não ser ouvido.
Um exemplo? Aí vai ele:
Num texto, que não hesito em considerar excelente,
cultural e literariamente, de um jornalista (Germano Almeida,em Expresso-curto de hoje), ao fazer “o
ponto” da situação política, cita cirurgicamente:
“o PAN é uma das vozes
que se mostram mais preocupadas, (...) o Bloco
de Esquerda quer ‘aguardar’ a concretização das medidas para opinar mas
deixa desde já uma ressalva, ‘o levantamento das medidas de restrição deve
acontecer quando as condições de saúde o permitirem’, (...) o PSD reserva opiniões para depois de
ouvir especialistas e Governo, o CDS
avisa que ‘o levantamento das medidas de contingência tem de acontecer de forma
gradual e assimétrica, de modo a que o esforço que todos temos feito não fique
comprometido’, na Iniciativa Liberal
argumenta-se a favor do regresso gradual à atividade económica”.
Não faltam, aqui, vozes? É inocente, como
prática frequentíssima, a ausência do PCP
e do PEV? Não se argumente que
também não se refere a voz do Chega
porque, ao fazer-se o acantonamento, se excluiriam, neste caso, o que se quer
etiquetar, tacitamente, como extremos. Ora não só não se aceita, de forma alguma, que se confundam esses extremos, como o que acantona um deles, o do PCP (e, por tabela, o PEV) é, em relação ao outro extremo (Chega) bem compensado, noutras
instâncias, escandalosamente promovido e desacantonado.
Sem simplismos, diria, insisto e persisto
que se trata da luta de classes. E não tem nada a ver, nem pode ter…, com
complexos de perseguição, ou, como diria Bretcht, não se é perseguido por ter
razão, é-se perseguido por não se ter força. Mas tem-se. A da razão
Muito perigoso é o tempo que vivemos.