sábado, setembro 11, 2010

Poemas cucos* (e outras coisas cucas) - 20 (António Jacinto e Manuel da Fonseca)

Para hoje - e porque amanhã é domingo - vou "cucar" dois para acabar esta 2ª série. E que dois!Um, lá do Sul, do nosso Alentejo, e o outro ainda mais do Sul, de Angola. E vou buscá-los (e às palavras que lhes juntei) às memórias que minhas são.
.
À maneira de
António Jacinto (para começar…)
e de Manuel da Fonseca (para acabar…)
.

Os grandes desafios

Naquele tempo,
a malta vinha do liceu,
punha os livros no chão,
a fazerem de balizas,
os que usavam calças compridas arregaçavam-nas,
os que usavam ainda calções não precisavam…
e no pátio das traseiras da mercearia do pai do Alfeu
(ó Alfeu abre o cu que lá vou eu!
como a malta toda ria… )
a malta fazía grandes desafios!

Naquele tempo,
os que vinhamos a férias (e grandes eram as férias…)
juntávamo-nos no largo da igreja
com os que cá viviam
e pequenas ou nenhumas férias tinham
(ah!, os óculos escuros do Orlando...),
e íamos jogar bilhar p’ró Central
ou escapávamo-nos para a largueza em frente dos Correios
(ih!, tão larga nos parecia ir ser a avenida e tão estreita é...),
ou para a Feira do Mês,
em frente da cadeia e do César-pele-e-osso dos pássaros,
e que grandes desafios fazíamos
(alguns de nós de pé descalço)

Naquele tempo,
já mais crescidotes mas ainda miúdos,
atreviamo-nos a entrar na divisão das equipas,
escolhidas pé-pisa-pé e os últimos iam para as balizas,
ali à Praça da Sardinha,
e a bola corria de uns para outros,
entre os mais graúdos,
e os pequenotes nem a cheiravam.
Um dia, pois… um dia,
estava eu estrategicamente à defesa - para me defender... -
e vem de lá o Prostes pum, catapum,
trazia tudo a eito,
e eu, atento, à espera dele, a modos de ferrolho,
quase mesmo na baliza,
que eram dois pedregulhos no chão,
e o Prostes por ali acima que p’ra baixo mija a burra,
e viu o puto, em frente dele, cheio de coragem e de medo,
e amandou cá um chuto…
eu levantei a perna com o pé ao fundo,
e foi logo ali, no pé ao fundo da perna,
que a bola acertou em cheio,
rodopiei, uma… talvez duas vezes, antes de me espalhar,
ao comprido - teria aí metro e meio! -... mas não foi golo!,
e o puto que eu era foi muito cumprimentado.
Até pelo Prostes…

Naquele tempo,
naquele tempo havia um campo em S. Sebastião,
num terreno do Silva, pai do Manel Alho,
para o filho jogar à bola com os amigos,
e eram o Xico Marques, o Zéquita, o Jacinto,
o Roque, o Zé Fonseca,
e o Manel, claro, que jogava à baliza...
e porque era o dono do campo.
Ah, que jogatanas que eu vi e queria imitar,
com os meus pezinhos citadinos a fintar toda a malta
no terreiro em frente do Xico Santo Amaro (pai)
com bola de meia ou bexiga de porco.

Depois, depois o Alho foi p’ró Brasil, outros para Angola,
e o sr. Silva mandou lavrar o campo
qu’inda dava uns alqueires.
Mas o que estavam na calha não se calaram:
carta p’ró Brasil (p’ra Londrina), carta do Brasil p’ra cá
- p’ró sr. Silva e a modos que ralhando… -
e voltámos a ter campo em S. Sebastião.

Como eu me lembro de ter ido buscar as balizas
à serração do Vieira em Pinhel!,
e de andar a tirar as pedras maiores
que tinham resistido ao tractor da Senhora Câmara.
antes da re-inauguração contra o Seiça.
Que grande desafio,
ó Amílcar, ó Manel Dias, ó Barreira, ó Félix!
Que grande desafio! (ganhámos, sim senhor…)

Depois, depois foram anos e anos,
naquele tempo
de passar os domingos aos chutos,
em sessões contínuas.
Saltava uma bola, trazida de Lisboa,
e era ver a malta que descia a encosta da Atouguia,
(e se era bonito de ver!,
com os olhos com que hoje vejo o ontem)
Foi também o tempo do Xico Santo Amaro filho,
e de jogar com filhos (e netos!)
dos primeiros com quem joguei.

Grandes desafios!

Naquele tempo,
ainda naquele tempo,
trouxe gente e equipas a cá jogar,
a S. Sebastião e ao Lagarinho, lá em baixo,
antes da Caridade que inaugurámos
com jogadores de grande nomeada,
o senhor Vasques, o senhor Rogério
e mais outros que tais. Internacionais!

E agora?
Agora é a estrada da Alvega onde era o campo de S. Sebastião,
na Caridade jogam os outros e nós só raro os vemos,
agora, temos idade, saudades e algumas (muitas) mazelas.

Meus companheiros de bola de trapo e pé descalço
como o tempo passou!
Cabeças brancas ou sem cabelos, barrigas redondas;
escrevendo no Deve e Haver da vida,
somando somando,
somando anos e anos

Na vila quieta,
sem vida
sem nada
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha de Almadanim?! -
Ó meus amigos desgraçados,
se a vida é curta e a morte infinita,
despertemos e vamos
Eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Prostes pum-catapum, e os Águias e as balizas às costas,
e o basquete dos Bombeiros e o hóquei do Atlético,
e a Banda que foi a Vigo, e a excursão que veio de Lisboa.

Ah!, meus companheiros de bola de trapo e pé descalço
como o tempo passou...
Cabelos brancos, ou onde é que eles vão,
redondas barrigas, andar arrastado.
no livro dos assentos da vida,
somando somando,
somando anos e anos,
lembrando casos de ontem,
esquecendo coisas de hoje
Na vila quieta,
sem vida
sem nada
- onde estão os dias amarelos verdes azuis encarnados?,
onde está aquela alegria antiga, os berros de golo?,
os gritos de toma lá que já almoçaste/merda que me aleijaste?
Ó meus amigos desgraçados,
se a vida é curta e a morte infinita,
despertemos e vamos
Eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era jogar com bola de trapo e pé descalço.
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!

9 comentários:

samuel disse...

Esta cuquice é absolutamente gloriosa!

Toda aquela energia não seria o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas...? :-)))

Abraço.

Maria disse...

Acabaste a 2ª série das "cuquices" de uma forma genial!

Beijo.

Anónimo disse...

Lindo, comovedor. Isto não é cucar, é desenvolvimento criativo. É uma homenagem a dois grandes poetas, mostra que a poesia deles está viva, não ficou parada no tempo h´a 50 anos atrás.

Campaniça

José Rodrigues disse...

K bué de fixe dvia ser tmp esse...gora ipnone,jgs nd intressa...mlhor ir estudr trb...esses MnlFons e Atn Jacin e Sr.Ribro... e tb 1 tal marx...dv ser bué de giro!

Abraço

cid simoes disse...

LINDO! Obrigado.

Graciete Rietsch disse...

Que posso dizer? Parabéns, parabéns, parabéns. Tão lindo como os poemas cucados. Fiquei encantada.

Um beijo.

cristal disse...

Obrigada. Porque não consigo escrever mais nada.

Antuã disse...

Poemas fabulosos e como o tempo passa!

Justine disse...

Magnífico texto, nostálgico, comovente e luminoso!