quinta-feira, maio 26, 2011

Notas sobre a Constituição nos seus/nossos 35 anos - 3

Não acontecia assim - nesta "leitura" da Constituição de Abril - porque os 250 constituinte,s de per si, assim pensavam e queriam.
A luta política, o desenrolar do processo histórico, decorre a dois níveis. Ao nível da relação de forças sociais na sua concretização básica, quotidiana, e ao nível da expressão institucional, super-estrutural, nos orgãos da democracia representiva, tenha esta a(s) forma(s) que tiver,
Quero sublinhar com estas observações que a dinâmica de massas foi muito para além do que, institucionalmente, correspondeu ao seu pear, ao seu travar, que tem tradução no VIº Governo Provisório e se ilustra na data de 25 de Novembro de 1975. Foi depois do 25 de Novembro que muito se avançou na reforma agrária, que se escreveu e adoptou a Constituição de Abril (e outras coisas como um Plano de Médio Prazo 1976-80, de "emprego e necessidades essenciais").
Por isso, além dos muito referidos (embora pouco cumpridos e tão combatidos) direitos ao trabalho, à saúde, à educação, tenho tropeçado, nestes últimos tempos num original artigo 107º (sobre impostos), que dizia o seguinte, no seu ponto primeiro:

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades, será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, e tenderá a limitar rendimentos a um máximo nacional, definido anualmente pela lei.

Enquanto se foi criando as condições (objectivas e, talvez sobretudo, subjectivas) para que o salário mínimo nacional se transformasse numa "oferenda" regateada, este preceito sobre o rendimento máximo disponível foi logo modificado na revisão de 1982, entre visitas do FMI (107º-1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.) e está hoje transformado no art. 104º-1. com esta mesma revista redacção.
Como coexistiriam alguns dos actuais detentores de rendimentos absolutamente escandalosos se o princípio constitucional inicial se tivesse mantido?
A postura pia de que não se trata de combater os ricos mas de acabar com os pobres é das mais hipócritas que se usa e abusa para convencer os pobres a continuarem pobres e a "fabricarem" ricos, como escrevia Almeida Garrett.  

3 comentários:

Anónimo disse...

Sérgio, obrigada por nos lembrares, com os textos originais, dados tão importantes.

Campanica

Graciete Rietsch disse...

Quão progrssiva era a nossa Constituição!!!!"Limitar rendimentos a um máximo nacional, definido anualmente por Lei".
Como poderia isto ser suportado pelos traidores de ABRIL?

Um beijo.

Antuã disse...

"Ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo". Quem disse isto?