Sem falsas modéstias, antes com o orgulho (legítimo?) de ter sido ligado à "cartilha antieuro do PCP", antes de haver euro... em 1997 (!):
,,, e porque o "post" anterior lembrou Gil Vicente, aí está ele:
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Todo o Mundo e
  Ninguém | 
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Um rico mercador, chamado "Todo o
  Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém",
  encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno
  desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários
  espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à
  verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens. Representada pela primeira vez em 1532, como parte de uma peça maior, chamada Auto da Lusitânia (no século XVI, chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do criador do teatro português, Gil Vicente. | 
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Entra Todo o Mundo, rico
  mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um
  homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e
  diz: | 
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Ninguém: | 
Que andas tu aí buscando? | |
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Todo o Mundo: | 
     Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém ando porfiando por quão bom é porfiar. | |
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Ninguém: | 
Como hás nome, cavaleiro? | |
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Todo o Mundo: | 
     Eu hei nome Todo o Mundo e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo. | |
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Ninguém: | 
Eu hei nome Ninguém, e busco a consciência. | |
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Belzebu: | 
Esta é boa experiência: Dinato, escreve isto bem. | |
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Dinato: | 
Que escreverei, companheiro? | |
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Belzebu: | 
Que ninguém busca consciência. e todo o mundo dinheiro. | |
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Ninguém: | 
E agora que buscas lá? | |
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Todo o Mundo: | 
     Busco honra muito grande. | |
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Ninguém: | 
E eu virtude, que Deus mande que tope com ela já. | |
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Belzebu: | 
Outra adição nos acude: escreve logo aí, a fundo, que busca honra todo o mundo e ninguém busca virtude. | |
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Ninguém: | 
Buscas outro mor bem qu'esse? | |
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Todo o Mundo: | 
     Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fizesse. | |
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Ninguém: | 
E eu quem me repreendesse em cada cousa que errasse. | |
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Belzebu: | 
Escreve mais. | |
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Dinato: | 
Que tens sabido? | |
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Belzebu: | 
Que quer em extremo grado todo o mundo ser louvado, e ninguém ser repreendido. | |
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Ninguém: | 
Buscas mais, amigo meu? | |
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Todo o Mundo: | 
     Busco a vida a quem ma dê. | |
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Ninguém: | 
A vida não sei que é, a morte conheço eu. | |
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Belzebu: | 
Escreve lá outra sorte. | |
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Dinato: | 
Que sorte? | |
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Belzebu: | 
Muito garrida: Todo o mundo busca a vida e ninguém conhece a morte. | |
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Todo o Mundo: | 
     E mais queria o paraíso, sem mo ninguém estorvar. | |
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Ninguém: | 
E eu ponho-me a pagar quanto devo para isso. | |
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Belzebu: | 
Escreve com muito aviso. | |
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Dinato: | 
Que escreverei? | |
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Belzebu: | 
Escreve que todo o mundo quer paraíso e ninguém paga o que deve. | |
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Todo o Mundo: | 
     Folgo muito d'enganar, e mentir nasceu comigo. | |
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Ninguém: | 
Eu sempre verdade digo sem nunca me desviar. | |
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Belzebu: | 
Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso. | |
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Dinato: | 
Quê? | |
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Belzebu: | 
Que todo o mundo é mentiroso, E ninguém diz a verdade. | |
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Ninguém: | 
Que mais buscas? | |
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Todo o Mundo: | 
     Lisonjear. | |
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Ninguém: | 
Eu sou todo desengano. | |
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Belzebu: | 
Escreve, ande lá, mano. | |
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Dinato: | 
Que me mandas assentar? | |
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Belzebu: | 
Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro: Todo o mundo é lisonjeiro, e ninguém desenganado. | 
 

 
2 comentários:
É nosso dever recordar e enaltecer a nossa capacidade de interpretar a sociedade. já havia lido mas vou guardar.
É nosso dever recordar e enaltecer a capacidade de inyerpretar a sociedade. já havia lido mas vou guardar.
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