Comentário
Rejeitar a submissão
afirmar a alternativa
Por razões que se conhecem, não há texto que por estes dias se escreva sobre a Grécia que não comece com um prudente «no momento em que são escritas estas linhas...». Pois que assim seja com este também. No momento em que se escreve estas linhas, está previsto para o próximo dia 5, domingo, um referendo sobre as medidas apresentadas pela troika, sob a forma de ultimato, e depois de inúmeras cedências do governo grego, como condição para desbloquear a última tranche associada ao segundo programa de intervenção FMI-UE (mais de sete mil milhões de euros). O desbloquear dessa tranche seria condição para a Grécia amortizar junto do FMI, primeiro, e das instituições da UE, depois, tranches de dívida que irão vencer nos próximos meses.
Este é, desde logo, um aspecto interessante que cabe assinalar. Se esse dinheiro for alguma vez «desbloqueado» o seu destino certo é, em poucos meses, regressar por inteiro aos cofres dos credores. Com efeito, este é, sensivelmente, o montante a que ascendem os pagamentos a fazer ao FMI e à UE pela Grécia nos próximos meses. Esta singular coincidência ajuda-no
s a ter uma noção do que está em causa nestas negociações e para lá delas.
Perante a convocação do referendo, a UE agiu de imediato, primeiro, procurando fazer desaparecer o objecto da consulta e, depois, lançando-se numa sucessão de declarações e acções que acentuam ainda mais a chantagem e levam aos limites a arrogância, a ingerência e o desrespeito pelos mais elementares direitos democráticos e de soberania. Se o processo até agora tinha demonstrado que a União Europeia da solidariedade e da coesão não existe de facto, os últimos dias mostram-nos também que as chamadas instituições não olham a meios para atingir os seus fins e não só não respeitam como ficam visivelmente irritadas (mas também inquietas) quando, independentemente das razões, um governo decide levar a política da União Europeia a consulta popular.
Pese embora toda a incerteza que rodeia os próximos desenvolvimentos, será relativamente seguro arriscar desde já duas notas.
Uma primeira para constatar que, se preciso fosse ainda, qualquer ilusão de que seria possível, no quadro da União Económica e Monetária e do euro, das regras que lhe estão associadas, prosseguir políticas de esquerda, políticas vagamente progressistas, anti-«austeridade», distintas das políticas impostas nos últimos anos, essa ilusão seria implacável e inapelavelmente desmentida pelos desenvolvimentos dos últimos meses na Grécia.
Uma segunda nota para relevar os efeitos subjectivos da colossal operação política e ideológica desencadeada a partir dos centros de comando da UE, visando condicionar a vontade do povo grego, mas não só; para por via da instigação do medo tentar lançar, junto dos demais povos e países da UE, a ideia de que não vale a pena lutar e de que não há alternativa à submissão.
Operação que evidencia a necessidade de afirmar – com confiança, rejeitando medos, hesitações e ilusões – essa mesma alternativa. Por mais pérfidos e humilhantes que se apresentem os ultimatos, a sua rejeição terá sempre de se escorar numa sólida confiança na existência de um caminho alternativo. É essa confiança que dá força à luta. Caso contrário, o medo vence sempre.
Mais sinais do «novo ciclo»
No último Conselho Europeu, entre outras gravosas decisões, fechou-se o ciclo do Semestre Europeu 2015, processo caucionado e apoiado no plano nacional por PS, PSD e CDS. Este é mais um momento em que lhes cai, aos três, a máscara das suas diferenças, para deixar à vista os compromissos e opções que os tornam iguais.
Portugal foi integrado na categoria de países com «desequilíbrios excessivos que exigem a adopção de medidas estratégicas decisivas e acompanhamento específico». Pese embora toda a propaganda desenvolvida pelo Governo em torno da «obra feita», estão à vista os seus resultados, segundo a avaliação dos seus próprios cúmplices e comparsas. Persistem, garantem estes, «desafios» no horizonte. «Desafios» que estão referenciados nas orientações por país elaboradas pela Comissão Europeia e aprovadas pelo Conselho Europeu: entre outras áreas, nas finanças públicas, nos impostos, nas pensões, na idade de reforma e no mercado de trabalho. «Desafios» cujo significado se antevê: novos cortes nas pensões, aumento da idade da reforma, compressão do investimento público e esvaziamento das funções sociais do Estado, manutenção do assalto fiscal aos trabalhadores e às famílias, etc., etc. Assim a troika nacional se apanhasse em condições de o fazer a partir de Outubro...
João Ferreira
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