- Edição Nº2175 - 6-8-2015
O estranho caso
do PM tagarela
do PM tagarela
Era uma vez. Ou melhor, não é assim que se deve começar porque não vai tratar-se aqui de uma estória de faz-de-conta, mas sim, bem pelo contrário, de um episódio da vida real, breve mas verdadeiro e até porventura eloquente para quem o saiba decifrar. Assim, não se dirá que «era uma vez», mas antes que «é», ou talvez melhor que «foi», aqui e agora, nesta amargurada terra que se chama Portugal e assim continuará a chamar-se se as «reformas» incansavelmente encomendadas pelos que de facto parecem julgar-se os verdadeiros «donos de isto tudo» não chegarem ao atrevimento de mudar o nome do País. Foi, pois, uma vez, mais uma, em que o senhor primeiro-ministro se abeirou da dupla câmara/microfone, a arma temível e eficaz que lhe permite impingir ao espoliado povo os «contos para crianças» com que conta renovar o seu consulado lá para os princípios de Outubro, e falou. As suas falas, que por sinal são geralmente debitadas em tom convicto e por vezes quase convincente, com todo o ar de quem acredita que a realidade não é o que toda a gente vê e sabe mas sim o que ele inventa, costumam não ser matéria que valha a pena desmentir: é da mais remota sabedoria popular que a mentira nunca vai longe quando se aplica a substituir os factos, e que é assim com ainda maior evidência quando os factos têm o sabor das lágrimas da esmagadora maioria de um povo. Desta vez, porém, a coisa foi um pouco diversa da rotina: inesperada e estranhamente, o senhor PM aplicou-se a semear a inquietação de milhares de portugueses ao fazer queixa pública da Caixa Geral de Depósitos, o banco público a quem muitos confiaram as suas economias talvez exactamente por ser público neste tempo de derrocadas ou perigosas oscilações de bancos privados.
Uma inevitável dúvida
Concretamente, o que disse o senhor primeiro-ministro? Revelou, em tom de denúncia, que a Caixa Geral de Depósitos ainda não pagou, como já deveria ter feito, uns noventa mil milhões de euros que o Estado há uns tempos lhe emprestou e que já lhe deveriam ter sido devolvidos. Estava assim o primeiro-ministro a acusar a Caixa Geral de incumprimento, a revelar ao País um indício de dificuldades de liquidez por parte do grande banco do Estado, a sugerir implicitamente que a CGD talvez possa revelar-se um dia destes como não sendo uma instituição confiável. Não era apenas, por parte de um senhor primeiro-ministro, uma espécie estranha de tagarelice, era uma inconfidência surpreendente e grave, tanto e de tal modo que não escapou a uma admoestação branda mas nítida por parte de Marcelo Rebelo de Sousa quando do seu comentário semanal. Suponhamos, é claro que por inacreditável absurdo, que o senhor primeiro-ministro queria destruir a credibilidade da Caixa Geral de Depósitos junto da sua clientela e dos mercados: não é verdade que este aparente desabafo se adequaria ao fim em vista? Mas as boas maneiras e porventura o bom senso mandarão afastar essa tenebrosa hipótese: restará então, como probabilidade alternativa, a da incompetência, pois é óbvio que um PM competente e ajuizado não anda por aí, perante microfones e câmaras, a assestar golpes verdadeiramente baixos no maior banco português e único banco estatal mesmo que porventura se tenha tratado apenas de uma «gaffe» não premeditada ou de um momento de distracção. Acresce que qualquer memória de cidadão minimamente atento se recorda de um dado embaraçoso: de que o mesmo senhor, agora PM, em tempos anunciou o desejo de privatizar esta mesmíssima Caixa Geral de Depósitos. Como terá dito Henrique VIII em circunstâncias muito diferentes, «honni soit qui mal y pense», mas é inevitável a emergência de uma dúvida: esta inconfidência terá sido resultado de uma leviandade ou um passo numa estratégia? E, de qualquer modo, uma conclusão irrecusável: não é coisa que se faça.
Correia da Fonseca
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Já por aqui se tratou deste estranho caso, a que então se chamou abstruso. Não faltariam adjectivos para tão esconsas motivações do primeiro ministro, e nesta (como sempre) oportuna crónica CdaF é certeiro e ironicamente contundente. Não se resiste a duas observações (uma, aliás, justificada por comentário ao "post" de 30 de Julho):
- É uma dúvida: o tal empréstimo da "troika" à banca não estava vedado, por ingerentes imposições da U.E., à banca pública?, não se tratou, por isso, de uma fórmula/artifício de aumento de capital?
- A tagarelice do dito 1º (muito bem acompanhado,,,) não funcionou exactamente com sentido inverso no caso do BES, ao pretender tranquilizar o povinho, escondendo-se-lhe a desastrosa situação?
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