sexta-feira, novembro 13, 2009

Entre vista - 3

Entre vista
a Todo o Mundo & Ninguém,
realizada em nenhures,
num dia destes, a qualquer hora

3ª parte
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TM&N – Mas trata-se de efemérides... fale-me de Berlim, da tal RDA…
Cá Eu – De efemérides? Preferia falar do 7 de Novembro, da Revolução Soviética… Fica para outra altura… Sobre Berlim, só lhe posso dizer que, como parte da RDA, em Berlim-Leste, foi dos sítios em que mais passeei, em que melhor me senti...
TM&N – Não era isso que sentiam os berlinenses…
Cá Eu – Decerto não todos, e decerto não muitos e muitos a quem chegava os cantos de sereias que vinham em ondas avassaladoras por cima das fronteiras e muros, daquele pedaço de cidade ali incrustrado no meio da cidade e do Estado. E a todo o lado oriental da Europa e do mundo... Ondas amplificadas por alguns que, por lá, no interior, se “passavam” para cá, e ajudadas por outros que se esqueceram do que deveriam ter aprendido e que, agora – se vivos fossem alguns desses – muito torceriam as respectivas orelhas como parecem fazer os que sobreviveram e parte significativa dos descendentes. Mas, olhe…, eu respondi-lhe como me sentia quando lá ia…
TM&N – Falava com as pessoas, em Berlim?
Cá Eu – Tanto quanto me permitia o meu desconhecimento da língua… Já agora conto-lhe uma das estórias que vivi (verdadeira, hem!), não em Berlim mas que em Berlim poderia ter sido, e que foi das que mais me impressionou na minha vida. Já depois de várias quedas, no Parlamento Europeu ai há uns 15 anos, estava num intervalo de uma reunião a apanhar umas résteas de sol no castelo de Budapeste, nos altos da cidade, quando fui abordado por homem já maduro (isto é, velho como eu hoje sou… não tenho é netos!), um senhor, com excelente aspecto, dirigiu-se-me na língua dele. Depois de várias tentativas, lá nos encontrámos no francês… e, envergonhadamente, pediu-me esmola. Perante o meu espanto, explicou-me “sabe?... é que quero levar o meu neto ali ao museu que eu conheço muito bem de antigamente, do tempo do socialismo, e, agora, veja lá!..., tem de ser pago e eu não tenho dinheiro para lá entrar para mostrar ao miudo... ajude-me, por favor.”
TM&N - …
Cá Eu – Nunca esqueci este episódio. E, agora, com estas sondagens, voltou… mais vivo!
TM&N – Mas se isso era assim (não é que esteja a duvidar das estórias que me conta…), além das pessoas fugirem de lá, porque que é você (estes jornalistas e o emprego do… você!) não foi viver para lá?
Cá Eu – É gira a pergunta, embora não surpreenda. Olhe, por um lado, eu sempre estive entre os privilegiados do lado de cá, mesmo quando preso, torturado, condenado a muitas coisas. Razão pessoal! Nunca estive desempregado, tinha a vida que queria, lutava contra o que achava mal. Depois, razão de outro tipo, nasci aqui e aqui é que quis e quero viver, com os meus mais próximos. Que são a minha pátria. Tantas vezes parecendo madrasta, mas sempre mãe. É aqui que quero ajudar a mudar o mundo.
TM&N – E seria para melhor?
Eu Cá – Eu acho, pelo que li, vivi e comparo, que será bem melhor. E virá a ser!, porque o mundo tem melhorado sempre para melhor para os humanos, mesmo quando se passa por momentos – períodos do tempo histórico que é feito de séculos e milénios – que não são fáceis e em que parece que a roda está a desandar. Logo andará no caminho certo...

5 comentários:

linhadovouga disse...

Que bom ler este(s) post(s) que nos dá um sorriso, uma lágrima ao canto do olho e uma imensa dose de esperança e vontade de firmeza, luta e mudança.
Bonito. Muito.

Anónimo disse...

Sérgio, a tua conversa. com o avÔ de Budapeste fez-me abanar dos pés à cabeça.

Campaniça

aferreira disse...

-Pelo que li há uns meses, estas sondagens são mandadas fazer pelo governo da Alemanha, Com certa frequência.
-Pois chegou-lhe ao conhecimento que na parte Oriental onde ficava a Alemanha Democrática, os jovens nas escolas revelam-se contra os programas e doutrinas onde lhes são contadas estórias falsas sobre o socialismo na Alemanha Democrática .
-Desmentidas todos os dias pelos seus pais e avós.

Li salvo erro um artigo sobre esta questão no jornal Le Monde diplomatique.

Antuã disse...

Agora para aqueles lados tudo é um bem escasso.

Luiz Esteves disse...

Boa série de posts...

O testemunho do "avô de Budapeste" é tremendo.