Este longo (relativamente ao tamanho adequado a um"blog") texto foi public(ad)o na semana passada, na RTP. Justifica estudo e reflexão. Não pode - como nenhum - ser aceite tal-qual, sem reflexão e confronto com a realidade viva e vivida; como não pode ser rejeitado por vir de onde vem. Da preparação de um relatório de uma comissão do Parlamento Europeu a apresentar em plenário. Reflectirá a correlação de forças, ao nivel da União Europeia e entre os únicos eleitos no seu (des)equilíbrio institucional, e dele se devem tirar muitos ensinamentos... e argumentos para a luta que prosseguimos há décadas.
Como a leitura pode não ser fácil - até por revelar/esconder a luta de classes que está no cerne das dinâmicas e decisões - reproduzo os sub-títulos:
- Medidas da troika agravaram efeitos da crise
- Aumento do desemprego e "novas formas de pobreza"
- Cortes em despesas sociais e serviços básicos
- Urgente plano de recuperação para os países intervencionados
- Conservadores europeus distanciam-se do relatório
- Ação da troika escrutinada também no plano económico
- Possíveis violações dos direitos fundamentais
- BCE defende o seu papel
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«Parlamento Europeu recomenda
medidas para reparar estragos da troika
António
Carneiro, RTP 13 Fev,
2014, 18:48 / atualizado em 13 Fev, 2014, 19:16
A Comissão de Emprego e Assuntos
Sociais do Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, um relatório
devastador que acusa a troika de ter agravado o desemprego, a pobreza e a
destruição das pequenas e médias empresas na Grécia, Portugal, Irlanda e
Chipre. O relatório, que deve ser ratificado numa sessão plenária em março,
pede que a União Europeia ponha em marcha um plano de recuperação para reverter
os cortes sociais aplicados nos quatro países resgatados.
“Chegou a
altura de recuperar o emprego e a situação social que foram destruídos e de
reparar os danos. A dimensão social europeia foi completamente esquecida por
aqueles que agiram como se a Europa fosse apenas um clube de credores”, afirma
o eurodeputado Alexandro Cercas no texto do relatório agora adotado por 27
votos a favor, sete contra e duas abstenções.
A análise
dos eurodeputados aponta erros graves às políticas que foram impostas pela
troika aos países intervencionados, as quais tiveram pesadas consequências
sociais.
Medidas da
troika agravaram efeitos da crise
O relatório
destaca o facto de as medidas de ajustamento na Grécia, Portugal, Irlanda e
Chipre terem contribuído para agravar os efeitos da crise financeira no que
respeita ao desemprego, particularmente no desemprego de longa duração e no
desemprego entre os jovens, o que levou a que muitos deles tivessem de emigrar.
Segundo os
autores do relatório, a falência das pequenas e médias empresas é uma das
principais causas do desemprego e é também a maior ameaça a uma recuperação
futura.
Os
eurodeputados dizem que as políticas da troika não pouparam setores
estratégicos que deveriam ter sido protegidos, para sustentarem o crescimento e
a coesão social.
Aumento do
desemprego e "novas formas de pobreza"
O relatório
sublinha que a precariedade do emprego aumentou, em conjunto com uma deterioração
das condições básicas de trabalho, como a redução de 22 por cento no salário
mínimo que teve lugar na Grécia.
Novas formas
de pobreza surgiram, que afetam os trabalhadores e a classe média, incluindo a
incapacidade de pagar o crédito da habitação e elevados preços da eletricidade
e gás que aumentaram a exclusão tanto em termos de habitação como de energia.
Os autores
do relatório dizem que os cortes que a Comissão Europeia, Banco Central Europeu
e Fundo Monetário Internacional impuseram aos quatro países, a troco de
assistência financeira, colocaram em risco os objetivos sociais da União
Europeia, em parte por causa do tempo demasiado escasso que foi dado para
implementar as medidas e por não ter sido avaliado o provável impacto das
mesmas nos vários grupos sociais.
Cortes em
despesas sociais e serviços básicos
Os
eurodeputados manifestam preocupação com o facto de os programas de recuperação
financeira terem recomendado cortes específicos em despesas sociais concretas,
em áreas fundamentais como pensões e serviços básicos, em vez de concederem aos
respetivos governos mais flexibilidade para decidir onde poderiam ser feitas as
poupanças.
Os autores
lamentam também que os representantes das entidades patronais e dos
trabalhadores e a Organização Internacional do Trabalho não tenham sido
consultados acerca da concepção inicial dos programas de assistência, o que, no
caso de Portugal, levou a que o Tribunal Constitucional se tenha visto forçado
a anular algumas medidas legislativas.
Urgente
plano de recuperação para os países intervencionados
O relatório
afirma que os Estados membros e a União Europeia devem colocar em marcha um
plano para a recuperação do emprego após ter passado a parte mais aguda da
crise financeira e que esse plano deve levar particularmente em conta a
necessidade de criar condições favoráveis para as PMEs, por exemplo, reparando
o sistema de crédito.
Os deputados
acrescentam que a Comissão Europeia, o BCE e o Eurogrupo devem rever, logo que
possível, as medidas que foram postas em prática e a União Europeia deve
apoiar, com recursos financeiros suficientes, a recuperação dos padrões de
proteção social e a luta contra a pobreza.
O relatório
evita avançar verbas concretas e diz que “compete à Comissão Europeia avaliar
as necessidades”, mas considera “absolutamente insuficiente” o fundo europeu de
6.000 milhões de euros que foi instituído para combater o desemprego jovem, e
defende que este seja elevado para, pelo menos, 20.000 milhões.
Conservadores
europeus distanciam-se do relatório
O Partido
Popular Europeu (grupo político conservador onde se integram o PSD e o CDS-PP)
distanciou-se entretanto das conclusões do relatório, assinado pelo
eurodeputado socialista espanhol Alejandro Cercas.
Em
comunicado, o PP sustenta que “a inação dos socialistas é a causa do desemprego
elevado”.
Ação da
troika escrutinada também no plano económico
Para além
das conclusões do relatório hoje aprovado na Comissão de Emprego e Assuntos
Sociais, a ação desenvolvida pela troika na Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre
está também sob escrutínio no Comissão dos Assuntos Monetários e Económicos do
Parlamento Europeu.
Quarta e
quinta-feira, os membros da comissão debateram quais os pontos a realçar num
outro relatório que examina os efeitos da ação da troika no plano económico.
Em ambos os
debates, os eurodeputados aceitaram, em termos gerais, que as reformas dos
programas de resgate eram necessárias e que a crise financeira serviu de
“catalisador” para as mesmas.
No entanto,
muitos membros da Comissão apontaram erros da troika que poderiam ter sido
evitados desde o início, o que teria permitido diminuir as dificuldades que os
países intervencionados enfrentam atualmente.
Possíveis
violações dos direitos fundamentais
Entre estes
erros, os eurodeputados destacam a falta de responsabilização, uma abordagem
padrão sem levar em conta as especificidades de cada país e possíveis violações
dos direitos fundamentais.
Os
eurodeputados focaram-se no papel do Banco Central Europeu, sugerindo que o BCE
poderá ter errado quando recomendou reformas laborais, e na forte resistência
que se opôs a que os investidores privados sofressem perdas quando se tratou de
reduzir a dívida da Grécia.
BCE defende
o seu papel
Um dos
membros do Conselho Executivo do BCE, Benoît Coeuré, foi ouvido na comissão
parlamentar e procurou defender o papel da instituição, dizendo que “não se
deve culpar os bombeiros pelos danos do incêndio”.
Benoît
Coeuré insistiu que, embora haja lições que devem de ser aprendidas do modo
como a Troika operou, a situação
teria sido muito pior se a intervenção não se tivesse dado.
Os autores deste relatório, são Othmar Karas do
Partido Popular Europeu e Liem Hoang Ngoc do grupo dos socialistas e
democratas. Os dois homens vão agora conduzir conversações com os outros
eurodeputados para obter a versão final do relatório que deve ser votada pela
Comissão de Emprego e Assuntos Sociais no final deste mês.»