Hoje, é dia de Assembleia Municipal.
Vou lá ler o que acabei de escrever, e vou agendar para publicação lá para o fim do dia:
Declaração política
Sinto como absurda, ou até abstrusa, esta situação de ter de
fazer uma declaração política numa sessão do órgão mais político (em teoria…)
do Poder Local quando toda a minha disponibilidade e todas as minhas preocupações
estão focalizadas para uma outra vertente da mesma luta política, isto é, do
nosso viver colectivo. Assim como quando, no Parlamento Europeu, falava dos
fornos de carvão do Vale da Perra.
É verdade que tudo está ligado, mas também é verdade que tudo
tem o seu lugar e tem o seu tempo.
E este é o tempo, mas não o lugar, de ainda tentar esclarecer
alguns nossos concidadãos de que o seu voto é arma de que dispõe, é voz com que
pode dizer o que pensa, é a ferramenta (só sua e única no dia 4 de Outubro) para
a construção dos caminhos futuros. Que é indispensável que esse acto seja
informado, esclarecido, e não escolha perante alternativas viciadas e
mentirosas, perante informação manipuladora e influências espúrias.
E vamos gastar esse tempo, dito político, de cumprimento de dever
de representação cidadã, a aprovar burocráticas declarações de interesse
público em favor de entidades que apenas
deveriam existir se tivessem interesse público.
É neste sistema de democracia do voto que vivemos. Que
conquistámos – alguns duramente. Sistema que é inacabado, imperfeito, incompleto,
que funciona mal mas que, segundo alguns como Churchill será mau, mas é o melhor
de todos por não haver outro melhor. Por ser o possível.
Ora, eu não aceito esta leitura da História. Tenho outra. A
leitura de que as bases desta democracia são desumanas porque dividem os seres
humanos. A leitura de que é possível mudar as relações sociais e que, cedo, tarde
ou mais tarde, serão mudadas. Com o nosso voto e não só. Com a nossa, e dos
vindouros, participação.
Não estamos condenados às decisões de Bretton Wooods como
eternas e imutáveis, às decisões do pós-guerra que dividiram o mundo em dois, que
criaram o FMI para perpetuar um sistema de relações sociais.
Falhou uma experiência, enorme na esperança e nas
consequências, minúscula no tempo vivido, negativa em tanto que se frustrou? Talvez…,
mas não morreu a certeza de que o caminho dos humanos será o da humanização das
relações sociais, sem predomínio da exploração, e das suas sequelas de especulação
e de corrupção, com o bezerro de ouro a ordenar mais que o povo. Que acabará
por vencer a luta para que termine este rumo já com 39 anos e sempre-os-mesmos,
que retomará o projecto constitucional, que dará conteúdo a nomes como Instituto
de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais e Empresa Pública de
Parques Industriais, ao Plano de Emprego e Necessidades Essenciais
1976-1980, que concretizará tudo (ou muito) do que foi metido em gavetas
sem fundo, e esgotado fundos e ilusões.
Esta declaração está a tomar o jeito de sermão. Para o que
não tenho nenhuma vocação ou preparação. Por isso, dou a palavra a quem já não pode
votar e que, talvez melhor que ninguém em português, usou o sermão para declarações
políticas. Dizia o Padre António Vieira, no Sermão do Bom Ladrão (de
1655):
O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno;
os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior
calibre e de mais alta esfera. (…) os ladrões que mais própria e dignamente
merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e
legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais
já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. – Os outros ladrões
roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu
risco: estes, sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados:
estes furtam e enforcam.
Mas (…) aquele que tem obrigação de impedir que se
furte, se o não impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou. E até os
príncipes que por sua culpa deixaram crescer os ladrões, são obrigados à
restituição; porquanto as rendas com que os povos os servem e assistem são como
estipêndios instituídos e consignados por eles, para que os príncipes os
guardem e mantenham com justiça.
E podia continuar, mas acabo. Tenho de acabar!
Desculpem a decerto inútil maçada. Neste dia 28 de Setembro de
2015 não convenci ninguém, nem ninguém me convencerá a mim, para 4 de Outubro,
mas tinha o imperativo estritamente pessoal e cívico de fazer esta declaração.