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Edição Nº2186 - 22-10-2015
O que faz falta
Eles que chegam, os chamados migrantes ou, mais caracterizadamente, os refugiados. Eles que chegam, isto é, os que conseguem chegar: os que não ficam a boiar nas águas do Mediterrâneo ou não morrem por outras e variadas causas a meio do percurso que encetaram. Entre os mortos, a comunicação social fala-nos sobretudo das crianças e nunca dos velhos, talvez por ser não apenas consensual mas também indiferente que os velhos morram, que seja esse o seu destino próximo seja qual for a causa que os leve. Outra possível explicação é a de que os velhos não partam, talvez porque eles próprios entendam que não lhes vale a pena fugir à morte, seja ela demorada por efeito da fome ou seja instantânea por efeito de uma bomba, ou talvez ainda porque os ainda não velhos se dispensem à incomodidade de trazer consigo os pais, menos lépidos e por isso menos adequados a um projecto de viagem penosa. De qualquer modo eles que chegam, que diariamente a televisão nos dá imagens mais ou menos pungentes do êxodo que diariamente se derrama em terras europeias, gente com a força do desespero de náufrago agarrado às bordas de uma jangada. Os que estão nela, nessa jangada chamada Europa, encaram com apreensão o afluxo desses invasores mas rendem-se à inevitabilidade de uma solidariedade mínima ainda que cedida a contragosto, à impossibilidade de forçarem um retorno aos lugares de origem onde campeiam as tradicionais e míticas três pragas, a fome, a peste e a guerra. É ainda a televisão que nos informa de que a maioria dessa gente desesperada vem da Síria, arriscando a travessia mediterrânica ou optando por um longo itinerário terrestre. De qualquer modo, o ponto de partida é quase sempre a Síria. E a generalidade dos europeus pelo menos um pouco atentos ao que os media lhes vêm contando não se surpreende com a informação: sempre lhes foi dito que a Síria é um lugar infernal não tanto por estar assolado por uma guerra terrível como por estar dominado por uma espécie de demónio chamado Bashar-al-Assad, ele próprio filho e herdeiro de um outro demónio em tempos assassinado por mãos decerto justiceiras e talvez, quem sabe?, armadas por democráticas mãos ocidentais.
A vantagem de saber
Acontece, porém, que esses imaginados mas prováveis europeus estão enganados, vítimas de uma espécie de maleita endémica que percorre o sábio mundo ocidental e que se caracteriza por carência de informação honesta reforçada por inoculação de doses continuadas de desinformação e calúnia. Para combater o mal, nada mais adequado do que a fórmula cantada por José Afonso quando nos disse que «o que é preciso é avisar a malta» e, neste caso, o aviso adequado é a divulgação de uma escassa meia dúzia de dados que por este lado do mundo parecem ser segredos bem guardados. Que, excepção entre a generalidade dos estados vizinhos, na Síria a lei islâmica é inconstitucional, o que desde logo impede todo um conjunto de repressões que noutros lugares do Médio Oriente remetem as mulheres para a situação de semi-escravatura. Aliás, a constituição síria é laica, facto único entre todos os países árabes. Que na Síria as mulheres têm direito a estudar, incluindo o acesso ao nível universitário, e não são obrigadas ao uso da «burka». Em matéria de liberdade religiosa, convém saber que na Síria há uma secular tradição de liberdade religiosa e de culto cristão, tanto e de tal modo que a história da Igreja Católica conta com cinco papas de origem síria, o que é um significativo testemunho. Mas o mais importante de tudo é que o petróleo sírio é estatal e que a sua gestão está confiada a uma empresa pública, o que obviamente constitui um pecado mortal aos olhos dos interesses ocidentais. Mais e talvez pior: a Síria é o único país árabe sem empréstimos do FMI. Já por aqui se entenderá como a Síria e Bashar-al-Assad são criações demoníacas. E por que os que contra eles se batem são apoiados e subsidiados pela CIA, como a TVI talvez descuidadamente nos informou.
Correia da Fonseca
1 comentário:
Tudo claríssimo, se a outra comunicação fosse honesta!
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