As nove vidas de Erdogan e o golpe de Gulen
por M K Bhadrakumar [*]
Autoridades turcas estão à beira de alegar que o golpe militar abortado na noite passada tem significado geopolítico. As sugestões nesse sentido estão a vir a conta-gotas.
O presidente Recep Erdogan disse que o golpe foi planeado pelos seguidores de Fetullah Gulen, o pregador islamista que opera a partir dos EUA. A seguir, o ministro da Justiça repetiu esta alegação. A agência de notícias estatal Anadolu depois disso classificou o coronel Moharrem Kose como líder do golpe. Kose era um oficial das forças armadas turcas que em Março de 2006 foi desonrosamente despedido por ligações com a sombria organização de Gulen. Entretanto, Ibrahim Melih Gokcek, presidente da municipalidade de Ancara e colaborador próximo de Erdogan, saiu-se com uma revelação espantosa: que os participantes do golpe incluíam um oficial pertencente à organização de Gulen que também estava envolvido na morte do piloto russo na Síria, em Novembro último. Gokcek disse:
Naturalmente, é preciso ligar os pontos. Gulen fugiu para os EUA em 1998 quando a inteligência turca começou a investigar seus seguidores que se haviam infiltrado em agências de segurança do estado turco, nas forças armadas e no judiciário.
Em 2008, Gulen obteve a permissão de residência ("green card"), aparentemente por recomendação de altos responsáveis da CIA. Ele desde então tem vivido solitário na Pennsylvania e nunca saiu dos EUA em visita ao exterior. Um antigo chefe da inteligência turca, Osman Nuri Gundes, em 2011 escreveu nas suas memórias que a rede de Gulen proporcionou uma cobertura para as operações clandestinas da CIA nas antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, como parte da estratégia estado-unidense para utilizar o Islão político como um instrumento de políticas regionais. Na verdade, a partir da sua vasta e luxuosa propriedade em Saylosberg, numa parte remota do leste da Pennsylvania, fortemente guardada e afastada de visitantes, Gulen lançou uma rede de mesquitas e madraças nos países da Ásia Central. (Curiosamente, a Rússia e o Uzbequistão proibiram "escolas" de Gulen.) Agora, a tentativa de golpe na Turquia ocorre na sequência da reaproximação turco-russa e de sinais nascentes de uma mudança nas políticas intervencionistas de Erdogan na Síria. Naturalmente, a Turquia é um "estado chave" nas estratégias regionais dos EUA e a reaproximação turco-russa chega no momento mais inoportuno para Washington, pois:
Erdogan é também um político astuto e manterá os americanos na dúvida. Mas o sultão sabe que deus lhe deu um novo período de vida – e sem dúvida permanecerá desconfiado das intenções estado-unidenses.
Um golpe é sempre uma artimanha (gambit). Os que tramaram o golpe julgaram erradamente que o grosso dos militares turcos apoiaria o derrube do presidente autoritário que impôs supremacia civil sobre os pashas. Mas a ideia brilhante de Erdogan de fazer entrar o "poder do povo" nas ruas apanhou-os de surpresa – recordando o acto de Boris Yeltsin ao sufocar a tentativa de golpe de 1990. Erdogan é um político carismático e tem sobrevivido graças à sua grande popularidade. Na eleição de 2014 ele assegurou um mandato inequívoco com 51% de apoio do eleitorado. Agora, os laicos, "kemalistas" e nacionalistas de extrema-direita também se alinham contra o golpe. Isto dá-lhe um apoio de base maciço. Gulen tornou-se agora uma questão grave entre Washington e Ancara. Não há probabilidade de Washington concordar com a extradição de Gulen, o qual é um "activo estratégico". (Ler o artigo fascinante sobre Gulen no Open Democracy, intitulado What is Fetullah Gulen's real mission? )
16/Julho/2016
Ver também: [*] Diplomata indiano. Foi embaixador no Uzbequistão (1995-1998) e na Turquia (1998-2001). O original encontra-se em blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/... Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
segunda-feira, julho 18, 2016
Turquia - isto não fica assim...
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