Texto recuperado para hoje, e de que deveria alterar o título e subtítulo´(e também o texto), neste dia de Conselho Europeu em Bruxelas, para A metáfora da metáfora ou a política ao nível das massas e As andorinhas e o amor em matéria de política, tendo sempre presente a luta de classes. Mas vai assim... sem mudar nada. Metaforicamente.
A metáfora da metáfora
As andorinhas e o amor em matéria de ensino
Adormeci tarde, sobre uma página deste livro (Chagrin d'école, de Daniel Pennac).
Acordei apressado em o continuar. Preparo-me para saltar da cama, mas uma subtil barulheira sustém-me. Há um desaustinado pipilar à volta da casa. Piares e mais piares, ao mesmo tempo intensos, constantes e contidos.
Ah! pois é… é a partida das andorinhas. Todos os anos, por esta altura, elas marcam encontro nos fios da electricidade. Campos e bordas das estradas cobrem-se de despedidas, como numa imagem habitual, de fotógrafo amador.
Preparam-se para migrar. É a euforia dos reencontros e das partidas. As que ainda voltejam no céu pedem autorização para alinharem com aquelas já pousadas nos seus lugares nos fios, excitadas pelo desejo de horizonte.
“Arrumem-se, vá, toca a voar!”
“Já vou, já voo!”
Há um frenesim de voos de chegada, de voos de falsas partidas, de "tudo a postos?, aos seus lugares".
Uma agitação que vem do norte, em batalhões hitchcockianos, rumo ao sul.
E o livro conta o que se ouve, e sente, e vê. E mais...
Mais ou menos assim:
«(...) essa é precisamente a orientação do nosso quarto: norte, sul.
Uma clarabóia na parede virada a norte, uma dupla janela na parede virada a sul.
E todos os anos o mesmo drama: perturbadas pela transparência dessas aberturas envidraçadas em frente uma da outra, um bom par de andorinhas atiram-se de cabeça contra a clarabóia.
Por isso, nada de escrita esta manhã. Abro a clarabóia norte e a dupla janela sul, e mergulho na nossa cama. E ali ficamos nós, ocupados por uma manhã a observar esquadrilhas de andorinhas a atravessarem este nosso esconderijo, de súbito silenciosas, intimidadas talvez por estes dois corpos alongados que as vêem passar em revoadas.
Só que, de um lado e de outro da dupla janela, ficam dois estreitos e verticais pedaços de parede. O espaço aberto é largo entre as duas molduras das janelas, que dão passagem à vontade a todos os pássaros do céu… mas nunca falha!, há sempre três ou quatro esparvoadas que chocam com os pedaços de parede aos lados da janela. São as desalinhadas, as que não seguem o caminho direito e aberto. As que passam ao lado, batendo as asas.
Poc! Tombam no tapete.
Então, um de nós dois levanta-se, pega na aturdida andorinha na concha da mão – não pesam nada, esses ossos cheios de ar -, espera que ela acorde, e atira-a pelos ares para se juntar às companheiras. A ressuscitada, ainda um pouco grogue, ziguezagueia no espaço reencontrado, depois pica a fundo para o sul, e desaparece no seu futuro.
E pronto!, a minha metáfora vale o que vale mas é a isto que se assemelha o amor em matéria de ensino, quando os nossos alunos voam como pássaros loucos:
fazer sair do coma escolar
uma caterva de desorientadas “andorinhas”.
Nem sempre se consegue, falha-se por vezes no apontar do rumo, algumas delas não acordam, ficam no tapete ou partem o pescoço numa vidraça mais adiante. E permanecem nas nossas consciências como buracos de remorsos onde repousam as andorinhas mortas no fundo do nosso jardim.
Mas temos sempre de tentar!
Nós temos tentado. Eles são os nossos alunos.»
E nós, nós somos os que com eles aprendemos.