sexta-feira, novembro 21, 2014

Reflexões lentas - "Os políticos" e as políticas

De súbito, no meio da agitação provocada por estar ainda (sobre)vivente o sistema de relações sociais a que se chama capitalismo e a cuja autópsia se procede, apareceu um acontecimento que ligou os dois níveis a que se faz política em Portugal (e não só) - o nível da superstrutura em que uns fulanos a discutem e a "fazem", e o nível da subjectividade das massas, que é a base de tudo: as pessoas vivendo e con-vivendo.
Quando a ligação entre os dois níveis está no estádio de divórcio, de ruptura, como num golpe de mágica surge o incidente da suspensão da pensão vitalícia aos "políticos", ou seja, aos ex-eleitos - logo, aos cidadãos eleitos para serem, por período de mandato, a parte do nível superstrutural que delibera e executa, no interesse dos cidadãos representados, tal como o configura o quadro definido adrede, isto é, constitucionalmente. Essa delegação, pelo povo, do que, em sua representação, é deliberado e executado deve ser feita sob vigilância de quem, também eleito, tem o mandato temporário de avaliar a justeza e adequação dos desempenhos dos representantes, nesse quadro, e dos que, tecnicamente, têm por função verificar se esse quadro está a ser respeitado.
A isto chama-se democracia, evidentemente condicionada, na prática, pela correlação de interesses e forças sociais mas sempre no quadro constitucional.
Ora, assim sendo (por mal resumido que esteja), começo por recusar a divisão dos cidadãos (dos con-viventes na "cidade" ou num definido espaço geográfico, histórico, cultural) em políticos e não-políticos. São políticos os que têm o direito de eleger (mesmo - e quase diria sobretudo - quando não o fazem), são políticos os que têm o dever de aceitar ser eleitos. Sublinho a (teórica e inquestionável) efemeridade da situação de eleito - representante de representados - e critico a assumpção (pelos eleitos e por consenso inerme) de que a eleição é uma  promoção social, uma nova condição, um outro "ser". A eleição cria, isso sim, um mandato social, uma representação condicionada e temporal, um "estar" com prazo fixo embora potencialmente renovável (e nem sempre).
Não encontro maior e mais perverso ataque à democracia do que aquele que divide "democraticamente" os cidadãos e institui uma casta - "os políticos" -, ou que permite que alguns se castifiquem servindo-se da democracia para a desvirtuar.

Num momento de verdadeiro desnorte e de desagregação de um executivo (nesse desnorte se incluindo os partidos que têm partilhado executivos) que conseguiu unir contra si toda a base social, que criou condições ou permitiu ou facilitou ou cobriu todo o tipo de desmandos e agressões à ética e à legitimidade (e até à legalidade), este episódio da suspensão da suspensão depois suspensa é burlesco em si e é preocupante pela porta que a demagogia escancarou em agressão descabelada contra "os políticos", sem uma análise e serena do que estava (e está) em causa.
Mas reservo opinião sobre o que está em causa por poder implicar uma chamada "declaração de interesses pessoais", declaração que preenchi anos a fio, cumprindo normas constitucionais e estatutárias, com a tranquila consciência de nunca ter beneficiado (bem pelo contrário... e muito!) do facto de ter sido cidadão eleito por con-cidadãos para os representar.
E termino a reflexão que "posto", reiterando a grande preocupação perante o perigo para a democracia por assim se aproveitarem pretextos para mobilizar a dita "opinião pública" na anatematização de "os políticos", como se casta fossem, e iliba as políticas que, executadas pelos que como tal se assumiram servilmente, vão permitindo a sobrevivência de um sistema em estertor.    

2 comentários:

Olinda disse...

Em polîtica,nada se faz ao acaso,estas manobras de diversao do bloco central,dao azo a reflexao,como tao bem dizes.

Bom fim de semana





Unknown disse...

Tudo isto é uma grande baralhação,mas quanto maior for,melhor para os ditos politícos que nos são impostos,ao abrigo da DEMOCRACIA!