terça-feira, outubro 05, 2010

No tempo português que passa

Ouvir historiadores falar da República, do 5 de Outubro de 1910, causa-me algum sobressalto. Ligo, inevitavelmente, a data ao 25 de Abril de 1974 e ao tempo - actualíssimo, hoje - que vivemos.
Sempre que me convidam para, em escolas das vizinhanças (ou não), falar do 25 de Abril, e dos seus antecedentes, aos meninos, faço um esforço de preparação: o de me lembrar de como, quando na idade dos meus pequenos interlocutores, eu via/sentia o 5 de Outubro.
E vai havendo uma quase justaposição temporal. Quem tem, hoje, 10 anos, nasceu 26 anos depois do 25 de Abril; eu nasci 25 anos depois do 5 de Outubro, e recordo sem grandes dificuldades como, na escola e começo do liceu, era longínqua, nebulosa, a implantação da República. Tenho de ter isso em atenção por respeito por quem me ouve, e de ter a perfeita consciência de que, ao falar do que vivi intensamente, esse tempo que vivi e de que lhes falo é, para eles passado, morto... pré-histórico e, tantas vezes - quando dele falado - falseado, vilipendiado. Como para mim era o começo do século.
Quem viveu os últimos anos da Monarquia, a crise económica, as sucessivas ditaduras, a violência que caracterizou essa mudança histórica, as esperanças que abriu, revolucionariamente, toda a resistência à mudança, a enorme força conservadora, contra-revolucionária, a guerra de 14-18, não podia esperar que o miúdo da segunda metade dos anos 40 entendesse e sentisse o ambiente vivido, através de uma conversa de uma horita, para mais empolgada, comprometida com o vivido (só muito tarde li O Milagre segundo Salomé, do José Rodrigues Miguéis, que nos "dá" todo esse ambiente); e, daí, procuro aproveitar a lição para que o que conto sobre o 25 de Abril (e o antes) seja minimamente interessante, ajude a levantar dúvidas próprias da idade de quem está a conversar comigo, deixe neles algum rasto.
É indispensável metermo-nos no fluir da História, não a ver como seccionável e, ao mesmo tempo, é indispensável - como em tudo - olhar para o outro, na sua idade, nesta idade histórica que, sendo a mesma que a nossa, contemporâneos que somos, não é igual para quem nasceu na mudança de milénio e para quem nasceu no começo do segundo terço do século passado.
Depois, na assinalação destes 100 anos, com particular ênfase para o que antecedeu o 5 de Outubro, há um caminho percorrido, há um Portugal que passou por etapas, com situações que se repetem, sempre diferentes!, sendo tão estulto ignorar as semelhanças como menosprezar as diferenças. Somos portugueses porque com um passado comum e um futuro para que temos que encontrar a alternativa de um destino nosso. Para que o 5 de Outubro de há 100 anos e o 25 de Abril de há 36 anos contribuiram.

4 comentários:

samuel disse...

Belo texto!

Abraço.

jrd disse...

Excelente!
O tempo português que passa é, cada vez mais, um tempo de construir um tempo novo.
Abraço

Graciete Rietsch disse...

Gostei tanto deste texto. muito bom. Um beijo.

eduricardo disse...

Para a minha geração, o primeiro 5 de Outubro foi o de 1974.
Era Sábado, Vasco Gonçalves veio ao Porto e discursou para uma multidão na Praça General Humberto Delgado... Oresto está aqui: http://cadernosemcapa.blogspot.com/2010/10/outro-5-de-outubro.html
Abraço