Do mundo do(s) outro(s) e do mundo nosso
E eu, que medito um livro (um texto) que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem
Cesário Verde
O sentimento dum Ocidental
Quisera que o real e a análise mo dessem
Cesário Verde
O sentimento dum Ocidental
Cada homem é um mundo, cada mulher é um mundo. O mundo é o que dele fazem as mulheres e os homens. É o que o fizeram os que viveram antes, o que o fazem os que hoje vivem, será o que o fizerem os que viverem com o mundo que lhes deixarmos, os de antes e os de hoje.
Uma palavra e um gesto de cada um de nós, na aparência – e na realidade mundivivida –, não vale nada, se dita a palavra no cerco do silêncio, se feito o gesto no meio do vazio, se numa mundivivência isolada, solitária (se as há…). Chame-se esse homem ou essa mulher Carlos Marques ou Eva Curie, Maria Sem Mais ou Zé Ninguém. Mas, mesmo nesses casos, extremos e irreais, esse gesto e essa palavra é insubstituível. Porque só aquela Eva Curie, aquele Carlos Marques, aquele Zé Ninguém, aquela Maria Sem Mais, poderia ter feito o gesto que cada um deles fez, poderia ter dito a palavra que cada um disse.
E todas as vidas de cada um/uma são paralelas, no tempo em que tenham sido vividas. Por mais separados os tempos e os espaços, por mais se que se prolonguem, estão sempre a encontrar-se, a cruzar-se. Algumas, evidentemente mostrando como há o mundo de uns e como há o mundo de outros. E como esses mundos são o mesmo mundo.
.
O bebé a que deram o nome de Aníbal nasceu lá para o Sul, ainda nos anos 30 do século passado. De família que, como então se dizia, seria remediada, ou, noutra terminologia, em meio pequeno-burguês.
“Fez os estudos” que essa condição social lhe permitiam e habilitou-se para a vida com a profissão de economista, segundo carta de curso e licenciatura tirada no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o ISCEF, completado com doutoramento.
Por sua natureza (cromossomas?) e por força das circunstâncias que suas foram, “integrou-se” no “regime político” vigente, isto é, aceitou-o como bom e nele decidiu fazer a sua vid(inh)a, nem que fosse preciso ir “patrioticamente” para guerra colonial, cheio de cautelas com o seu “cabedal”, e nem que fosse indispensável preencher formulários em que tal afirmasse, e em que mais aproveitasse para dizer, desnecessário mas que, eventualmente, pudesse ajudar a mostrar a sua fidelidade aos valores e procedimentos do referido “regime político”, que fascista era, mesmo que tantos lhe escondam o nome apesar do comprimento da cauda.
Depois, dadas as mudanças… “integrou-se” no novo “regime político” pós-fascista, porque havia que fazer pela vid(inh)a, e ter-se-ia "integrado", embora a contra-gosto, se a evolução das coisas tivesse sido outra e não aquela que mais lhe convinha.
Uma palavra e um gesto de cada um de nós, na aparência – e na realidade mundivivida –, não vale nada, se dita a palavra no cerco do silêncio, se feito o gesto no meio do vazio, se numa mundivivência isolada, solitária (se as há…). Chame-se esse homem ou essa mulher Carlos Marques ou Eva Curie, Maria Sem Mais ou Zé Ninguém. Mas, mesmo nesses casos, extremos e irreais, esse gesto e essa palavra é insubstituível. Porque só aquela Eva Curie, aquele Carlos Marques, aquele Zé Ninguém, aquela Maria Sem Mais, poderia ter feito o gesto que cada um deles fez, poderia ter dito a palavra que cada um disse.
E todas as vidas de cada um/uma são paralelas, no tempo em que tenham sido vividas. Por mais separados os tempos e os espaços, por mais se que se prolonguem, estão sempre a encontrar-se, a cruzar-se. Algumas, evidentemente mostrando como há o mundo de uns e como há o mundo de outros. E como esses mundos são o mesmo mundo.
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O bebé a que deram o nome de Aníbal nasceu lá para o Sul, ainda nos anos 30 do século passado. De família que, como então se dizia, seria remediada, ou, noutra terminologia, em meio pequeno-burguês.
“Fez os estudos” que essa condição social lhe permitiam e habilitou-se para a vida com a profissão de economista, segundo carta de curso e licenciatura tirada no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o ISCEF, completado com doutoramento.
Por sua natureza (cromossomas?) e por força das circunstâncias que suas foram, “integrou-se” no “regime político” vigente, isto é, aceitou-o como bom e nele decidiu fazer a sua vid(inh)a, nem que fosse preciso ir “patrioticamente” para guerra colonial, cheio de cautelas com o seu “cabedal”, e nem que fosse indispensável preencher formulários em que tal afirmasse, e em que mais aproveitasse para dizer, desnecessário mas que, eventualmente, pudesse ajudar a mostrar a sua fidelidade aos valores e procedimentos do referido “regime político”, que fascista era, mesmo que tantos lhe escondam o nome apesar do comprimento da cauda.
Depois, dadas as mudanças… “integrou-se” no novo “regime político” pós-fascista, porque havia que fazer pela vid(inh)a, e ter-se-ia "integrado", embora a contra-gosto, se a evolução das coisas tivesse sido outra e não aquela que mais lhe convinha.
Nem ambições parecia ter, a não ser fazer cuidadosamente a rodagem da sua viatura, então e por enquanto, relativamente modesta.
Foram as circunstâncias que o atiraram para um palco e para um discurso que teria sido o seu 13 de Maio ou de Outubro. Discurso que nem vale o sacrifício de ser lido.
No momento certo, com a postura ajustada, mostrou ser o homem que servia. E dez anos de 1º ministro serviu. Fazendo o que era preciso ser feito. Enchendo-se de si, e apetece acrescentar… de coisa nenhuma. Porque daquilo a que se chama cultura, um zero. À esquerda. Porque, entretanto, ia amealhando outros zeros. À direita.
Esgotado esse magistério, a outro voltou, ao propriamente dito, ou pelo menos assim o afirma, agora, quando se declara “um mísero professor”. Não sem que antes tenha tentado o que só dez anos depois conseguiu, ser Presidente da República, com uma derrota cuidadosamente apagada da biografia que convém mostrar de grande talento político, sempre vencedor.
Nesse interregno, ter-se-á dedicado a acções mais rentáveis. Acções de aplicação e multiplicação do amealhado. É uma zona de sombra, até porque a sua memória tem uma selectividade que o faz esquecer muitas coisas. Coisas que, como é de bom tom dizer, se não devem vasculhar porque são da vida privada de cada um, a que todos têm direito. E não tenho – eu, que não ele… – nada mais a dizer.
O que se conhece, mau grado desejos e vontades, sãos resultados. Alguns. E os resultados que se conhecem são por demais elucidativos. De carteira de títulos, de acções, obrigações e fundos de investimentos, sabe-se e publica-se um total de mais de 200 mil euros. De “bens ao luar”, há a amostra de uma vivenda avaliável para as centenas de milhar (quantas centenas não é possível dizer por causa dos... esquecimentos selectivos). E não adiciono mais, que uma investigaçãozinha fina facultaria, porque não me quero meter na vida do meu colega, nem nas suas amizades, frequentações, vizinhanças. (lembro, irresistivelmente, o livro de de Laclos e o filme francês (com o Gérard Philippe) e o dos EUA, Ligações Perigosas...)
Aqui, faço a "ponte" para uma outra vida. Que é a minha. Que apenas serve de contraponto. De um mundo outro. De uma vida outra. E por ser evidentemente paralela.
Também nasci nos anos 30; também em “família remediada”; também fiz estudos com sacrifício de meus pais; também me licenciei no ISCEF; também me doutorei; também tenho uma pensão de reforma que soma anos de trabalho em empresas, em função pública, de professor universitário; também tenho vida política activa, com cargos e encargos.
Chega para o paralelismo? Acho que até é demais…
Agora, as diferenças:
Por minha natureza (cromossomas?) e circunstâncias que minhas foram, ainda na Universidade “desintegrei-me” do “regime político" vigente, entendi ser meu dever de cidadão, e para com os meus concidadãos, lutar contra o fascismo e, ao longo dos anos, sofri-lhe as consequências; terei nascido segunda vez (mas já era honesto!…) em 25 de Abril de 1974, até porque só depois dessa data me foi possível ser muita coisa que sou e sempre fui – livre, disponível para representar os outros, professor.
Como profissional, fui sempre bem remunerado, particularmente em missões em organismos internacionais das Nações Unidas, sempre vivi com alguma folga em relação às minhas necessidades, e sempre apliquei o que sobrava (por vezes, pisando riscos) em acções outras que não as de benefício próprio, procurando ajudar a luta contra o fascismo e o colonialismo, promover a informação e a comunicação, incentivar cultura, sobretudo através da edição e divulgação.
Vivo numa casa que é onde meu pai nasceu, em 21 de Janeiro de 1898, em que apliquei algum pecúlio para tornar habitável no século xxi, de acordo com o meu nível de necessidades, tenho um automóvel com 14 anos que vai servindo para o que o dele quero, viajo o mais que posso (que podemos… porque a dois o fazemos e com contas "a meias") para conhecer terras e gentes, tenho um depósito bancário à ordem que me serve de almofada, ou de segurança, e que me faz ter de recusar frequentes propostas de “gestores de conta” que não escolhi e a quem nunca dei instruções ou aceitei conselhos, decerto bem intencionados.
Sinto-me realizado. É o meu mundo. O mundo nosso. De antes e de depois de nós.
Há o outro mundo. O do(s) outro(s). Em que alguns se comprazem. Ignorando ou esquecendo o que lhes aconterá a médio prazo, como Keynes lembrou aos economistas.
Foram as circunstâncias que o atiraram para um palco e para um discurso que teria sido o seu 13 de Maio ou de Outubro. Discurso que nem vale o sacrifício de ser lido.
No momento certo, com a postura ajustada, mostrou ser o homem que servia. E dez anos de 1º ministro serviu. Fazendo o que era preciso ser feito. Enchendo-se de si, e apetece acrescentar… de coisa nenhuma. Porque daquilo a que se chama cultura, um zero. À esquerda. Porque, entretanto, ia amealhando outros zeros. À direita.
Esgotado esse magistério, a outro voltou, ao propriamente dito, ou pelo menos assim o afirma, agora, quando se declara “um mísero professor”. Não sem que antes tenha tentado o que só dez anos depois conseguiu, ser Presidente da República, com uma derrota cuidadosamente apagada da biografia que convém mostrar de grande talento político, sempre vencedor.
Nesse interregno, ter-se-á dedicado a acções mais rentáveis. Acções de aplicação e multiplicação do amealhado. É uma zona de sombra, até porque a sua memória tem uma selectividade que o faz esquecer muitas coisas. Coisas que, como é de bom tom dizer, se não devem vasculhar porque são da vida privada de cada um, a que todos têm direito. E não tenho – eu, que não ele… – nada mais a dizer.
O que se conhece, mau grado desejos e vontades, sãos resultados. Alguns. E os resultados que se conhecem são por demais elucidativos. De carteira de títulos, de acções, obrigações e fundos de investimentos, sabe-se e publica-se um total de mais de 200 mil euros. De “bens ao luar”, há a amostra de uma vivenda avaliável para as centenas de milhar (quantas centenas não é possível dizer por causa dos... esquecimentos selectivos). E não adiciono mais, que uma investigaçãozinha fina facultaria, porque não me quero meter na vida do meu colega, nem nas suas amizades, frequentações, vizinhanças. (lembro, irresistivelmente, o livro de de Laclos e o filme francês (com o Gérard Philippe) e o dos EUA, Ligações Perigosas...)
Aqui, faço a "ponte" para uma outra vida. Que é a minha. Que apenas serve de contraponto. De um mundo outro. De uma vida outra. E por ser evidentemente paralela.
Também nasci nos anos 30; também em “família remediada”; também fiz estudos com sacrifício de meus pais; também me licenciei no ISCEF; também me doutorei; também tenho uma pensão de reforma que soma anos de trabalho em empresas, em função pública, de professor universitário; também tenho vida política activa, com cargos e encargos.
Chega para o paralelismo? Acho que até é demais…
Agora, as diferenças:
Por minha natureza (cromossomas?) e circunstâncias que minhas foram, ainda na Universidade “desintegrei-me” do “regime político" vigente, entendi ser meu dever de cidadão, e para com os meus concidadãos, lutar contra o fascismo e, ao longo dos anos, sofri-lhe as consequências; terei nascido segunda vez (mas já era honesto!…) em 25 de Abril de 1974, até porque só depois dessa data me foi possível ser muita coisa que sou e sempre fui – livre, disponível para representar os outros, professor.
Como profissional, fui sempre bem remunerado, particularmente em missões em organismos internacionais das Nações Unidas, sempre vivi com alguma folga em relação às minhas necessidades, e sempre apliquei o que sobrava (por vezes, pisando riscos) em acções outras que não as de benefício próprio, procurando ajudar a luta contra o fascismo e o colonialismo, promover a informação e a comunicação, incentivar cultura, sobretudo através da edição e divulgação.
Vivo numa casa que é onde meu pai nasceu, em 21 de Janeiro de 1898, em que apliquei algum pecúlio para tornar habitável no século xxi, de acordo com o meu nível de necessidades, tenho um automóvel com 14 anos que vai servindo para o que o dele quero, viajo o mais que posso (que podemos… porque a dois o fazemos e com contas "a meias") para conhecer terras e gentes, tenho um depósito bancário à ordem que me serve de almofada, ou de segurança, e que me faz ter de recusar frequentes propostas de “gestores de conta” que não escolhi e a quem nunca dei instruções ou aceitei conselhos, decerto bem intencionados.
Sinto-me realizado. É o meu mundo. O mundo nosso. De antes e de depois de nós.
Há o outro mundo. O do(s) outro(s). Em que alguns se comprazem. Ignorando ou esquecendo o que lhes aconterá a médio prazo, como Keynes lembrou aos economistas.
E há um mundo. Este em que vivemos, em que os dois mundos coexistem. Um mundo que temos de fazer sobreviver, e que seja melhor. Que seja humano!
.
(notas "passadas a limpo",
num domingo de manhã,
depois de ter lido, ao adormecer,
umas informações sobre vidas...)
5 comentários:
Há dez anos que ando a ler o livro do Desassossego, quando comecei a ler este post, confundi-me! Estava ao computador! Depois, três linhas andadas, vi que falavas de um quisto! Depois... mais duas ou três linhas... que inoportuna comparação!!!...
Sabem o que há de comum entre o Sérgio e o Cavaco? Ambos estão do lado de cá, excepto o Cavaco!
E mais não digo porque é Domingo e sabes como são os Domingos aqui na serra!
Cada pessoa tem uma história de vida. Umas fáceis, outras difíceis ,outras o que a sociedade fez delas, outras lindas, outras nem por isso. A do Sérgio é linda.
Um beijo.
Camarada, fiquei sem palavras!
Pronto, fomos por maus caminhos!
Fomos pela esquerda quando poderiamos ter ido pela direita, caminho seguramente mais fácil (e lucrativo).
Ácerca dos caminhos que escolhemos trilhar, vem-me à memória um poema de Miguel Torga:
"Haja Temeridade
Sobre a ponte insegura é que é passar!
Fica o rio a correr dentro das veias.
Quanta angústia levar,
Quantas areias
De oiro
Ou de ilusão,
É como se nos fossem afogar
A inquietação.
Arcos de ferro ou de granito
E sólidos soalhos de varanda
Não me parecem piso de quem anda
A descobrir as formas imprecisas
Desta humana aventura.
Só de credo na boca vale a pena
Olhar a vida, que da sepultura
Nos acena."
Miguel Torga
Um grande abraço de amizade e profunda admiração, desde Vila do Conde.
Jorge
Não vale a pena comparar um Homem com um verme.
Marx é que era espertalhão: vivia da mesada do pai, de empréstimos que não pagava e tornava-se violento se lhe pediam o dinheiro, nunca entrou numa unidade fabril, fazia ricos lucros na bolsa, casou com uma mulher rica, deixou morrer os filhos quase todos e ainda recebeu uma rica pensão de um explorador da classe operária.
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