terça-feira, maio 01, 2012

1º de maio. Há 50 anos. Sempre

Há 50 anos, nesta nossa tantas vezes Pátria, lugar de exílio.
«O gabinete que me foi destinado, no último andar, era ao lado do gabinete do director e fui partilhá-lo com um homem que recordo com saudade, Daniel Filipe. Nos poucos meses que trabalhámos no mesmo gabinete estabelecemos uma relação muito interessante. Era um homem simpático, caloroso, e muito conversámos sobre o tempo e o lugar que vivíamos, sobre livros e literatura.
Foi por essa altura que Daniel Filipe publicou Pátria, lugar de exílio, já sendo bem conhecido o seu A invenção do amor. Também me ofereceu O manuscrito na garrafa, uma novela em prosa injustamente quase desconhecida.» (50 anos de economia e militância, pg.96)


Se esta dedicatória tem, para mim, muito significado, muito mais tem a das páginas de entrada ("para o Manuel e o Bernardino") já fazendo parte do belíssimo poema que começa assim

I
No exacto automóvel, viajamos.
Em corpo e nervos, sal, angústia, grito.
Suor, temor da noite, aonde vamos?
Direita, esquerda? (Cruzamento). Hesito.

Onde? Por onde? somos, dois calados.
A chuva alaga o universo à volta.
À beira d' água, acenam-se soldados.
Soam no escuro os passos de uma escolta.

Finco as mãos no volante. Derrapagem
- ou medo apenas do que vai comigo?
Já está próximo o termo da viagem.
Apertamos as mãos. "Saúde, amigo".

As viagens tantas vezes feitas. Os "transportes". O camarada que conduz e o clandestino (o Zé Bernardino?). A luta. A resistência. Em Maio de 1962.

Há 50 anos.

«A luta, em 1962, não era apenas académica. Já o disse, já o escrevi. Di-lo-ei, escrevê-lo-ei, muito mais vezes. E não só datando de 1962.
O começo de 1962 foi de muitas lutas, de muita luta. As conse-quências das fugas de Peniche e de Caxias, no que respeita ao PCP, e todo o ambiente geral com a guerra colonial a invadir a nossa vida, provocavam situação novas e motivavam agitação.
Tudo parecia convergir no mês de Maio. Para os dias 1 e 8 estavam marcadas grandes manifestações populares, melhor diria operárias, e via-se que o Partido estava muito activo.
As tarefas sucediam-se e nessas acções de rua tive algumas par-ticipações que foram, de certo modo, novidade para mim. Fora combinado montar um centro de recolha de informações sobre a evolução das situações nalgumas zonas da cidade, e como estavam a ser cumpridas as decisões e as palavras de ordem pré-determinadas.
Calhou-me ir para a zona oriental da cidade, ao pé do C.O.L. (Clube Oriental de Lisboa). Era um dos locais onde se deviam juntar operários, das unidades industriais que por ali pululavam, de onde partiam para o centro da cidade.
Estive lá com a antecedência necessária, sentei-me numa pequena tasca-café, o mais discreto que me era possível. “Apalpei” a atmosfera. À medida que o tempo se aproximava, parecia-me sentir que alguns operários se juntavam em peque-nos grupos de, no máximo, quatro, cinco pessoas, alguns com as suas lancheiras, mas que os grupos entre si não se juntavam e partiam isolados.
Tentei confirmar se era isso que acontecia, e pareceu-me que sim.
Dali fui até à Praça de Londres, sentei-me calmamente num café, escrevi o meu “relatório” sobre o que observara, fui levá-lo onde se centralizavam outros “relatórios”, feitos por outros camaradas que tinham estado noutros lugares da cidade. Quase coincidiam nos relatos.
O facto é que, pequenos grupos a pequenos grupos, muita gente se foi concentrando na “baixa” e houve uma manifestação, nes-se 1º de Maio, em que a polícia carregou, bateu, fez dispersar, sem grandes ou graves consequências.
Não fora possível o efeito de haver várias e dispersas manifes-tações que fizessem a polícia ter de acorrer, ao mesmo tempo, a lugares diferentes e distantes, para, só depois, em pequenos grupos, se fazer a grande concentração no centro da cidade. A impaciência anulara a calculada estratégia.
A partir do que ia sabendo, nas reuniões da célula, pareceu-me que, para 8 de Maio se procurou corrigir a maneira de actuar, ser mais realista, e não se tentou, com a mesma força, a mano-bra de diversão. O facto é que também em 8 de Maio, na “bai-xa”, se realizou uma outra grande manifestação, com as mesmas intenções e consequências.
Procurava-se manter um clima de agitação e provocar uma escalada, com mobilização progressiva e alargada. Mas um facto veio perturbar essa progressão.
Fora necessário algum afrouxamento nos cuidados conspirati-vos para que os camaradas na clandestinidade, e responsáveis por Lisboa, promovessem essa agitação, e daí resultaram pri-sões, entre as de consequências mais graves, as de José Magro e José Bernardino, dois importantes quadros clandestinos.
Foi necessário afrouxar, defender, fechar, pelo que as grandes manifestações de 1 e de 8 de Maio não tiveram a continuidade que se poderia esperar, sempre condicionada pelo modo como corressem e as consequências que tivessem.» (50 anos de economia e militância, pgs. 114-116)

1º de Maio de 1962 - 1º de Maio de 2012.

A Pátria, lugar de exílio
50 anos de economia e militância
( e mais 4...).
Registos!

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Foi essa luta clandestina,mas sempre,sempre ativa, que levou o Povo a aderir em massa ao MOVIMENTO DOS CAPITÃES ,fazendo do 25 da ABRIL um MAIO de esperançs.
Viva o 1º de MAIO hoje e sempre.

Um beijo.

GR disse...

Um post muito importante, depois comento. Agora vou para Aveiro.

VIVA O º DE MAIO!

GD BJ,

GR

cid simoes disse...

OBRIGADO!

trepadeira disse...

Maio que há-de trazer Abril.

Um abraço,
mário

GR disse...

Ao fim de 50 anos os trabalhadores não compreenderam a importância da data (1º Maio).
Vendem-se, atropelam-se por meia dúzia de tostões.
Fica (para mim) a consolação dos trabalhadores que não fizeram greve, neste 1º de Maio trabalharam como escravos, enquanto trabalhadoras que defenderam o direito à greve fazendo-a, participaram numa bonita e grande jornada de luta.

Excelente este apontamento do teu livro, que está à venda não só nas livrarias como nos Centros de Trabalho. Vale a pena comprar.

A tua experiencia de vida é riquíssima… Daniel Filipe que maravilha.

Bjs,

GR