quarta-feira, maio 09, 2012

Marx em Maio - intervenção - 6

6.
Uma 6ª dinâmica (ou “factor”)
a juntar às 5 anteriores!

Na actual fase do capitalismo começou a prevalecer o dinheiro não-metálico, com injecção de dinheiro fictício, por via dos Estados que reflectem a relação de forças na luta de classes, e de dinheiro creditício, através do sistema bancário imposto “dentro” do funcionamento do modo de produção.
Assim se agrava a “financeirização” e a “desmaterialização” do circuito monetário criado para servir o circuito real, a circulação das “coisas” que satisfaçam as necessidades sociais. Por isso, para além dos “factores” que Marx identificou como procurando contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, é necessário ver como e onde se encontrarão, no processo de circulação, formas de, sem alterar o que é intrínseco ao sistema, conseguir que D’ (capital-dinheiro no final da fórmula geral de circulação) seja superior a D (capital-dinheiro no início), estando já D necessariamente influenciado pelo dominante capital-dinheiro fictício e creditício.
É desta maneira que a especulação vem em socorro da exploração, que se concretiza pela apropriação de mais-valia, que está na génese e é o “alimento” do modo de produção capitalista. Continuando a constituir a sua essência.
No entanto, a especulação, através da criação e do movimento de capital-dinheiro fictício e creditício, tem importância enormemente crescente. Não só em relação ao tempo de Marx, também muito mais perto, relativamente às três últimas décadas, desde a inconvertibilidade do dólar (decretada unilateralmente por Nixon em 15.08.1971) e a queda dos países socialistas europeus, nestas nossas três décadas em que essa relevância acelerou vertiginosamente.
Se esse novo “factor” (o 6º?) vem contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, e precariamente o consegue, à escala temporal de séculos também ele é fictício e efémero.
Por outro lado, e fundamental, esse novo factor” (ou dinâmica, ou bóia de socorro) não representa, ao fim e ao resto, mais do que uma outra forma de transferir mais-valia criada e apropriada, numa dinâmica de concentração e de centralização da “riqueza das nações” (como lhe chamava Adam Smith, clássico que Marx tão bem estudou), “riqueza” que foi criada da única forma que o é, pelo trabalho realizado, através do valor de uso da força de trabalho.
A dramática alternativa, e sempre o último recurso do capitalismo, é a destruição de “riqueza” para mais a concentrar…
Com o complexo industrial-militar e as guerras sempre presentes e a Paz sempre em risco.

Em vez de negar as “leis”, ou as regularidades que Marx formulou, em particular a da baixa tendencial da taxa de lucro, esta nova forma de a contrariar só a confirma e, confirmando-a, valoriza o contributo imens(o)urável de Marx para o marxismo, e faz deste a chave da compreensão do presente, a chave que pode ajudar a abrir o futuro.


7 comentários:

Anónimo disse...

O Marx não vivia na idade da pedra. O sistema financeiro, a bolsa, estavam extraordinariamente desenvolvidos em Inglaterra. No 3º livro do Capital, dedica uma parte substancial ao estudo do que designou por capital fictício (que deve ser considerado com o estudo dos "ganhos fictícios" desse capital fictício).

O Sérgio, nesta sequência de posts, terminou o anterior com uma frase, em minha opinião justíssima e de longo alcance: "... tendo sempre presente que o valor está ligado ao tempo de trabalho necessário e não à expressão em dinheiro que possa tomar". Muito bem dito!

Daqui decorre a necessidade de grande prudência e circunspecção na análise do sistema financeiro, tendo sempre presente que, ali, não se cria valor, mas se transfere valor, se redistribui valor criado na produção.

No entanto, o Sérgio introduz a consideração que o (inegável) gigantesco empolamento do sistema financeiro e creditício actua no sentido de contrariar o declínio tendencial da taxa geral de lucro.

Esta tese não me convence de maneira nenhuma. Pelo menos precisa de ser muito melhor demonstrada.

Desde logo, e ao contrário do que se poderia talvez pensar, as taxas de lucro, médias obviamente, no sistema financeiro não estão desligadas das taxas de lucro, médias obviamente, no sistema produtivo. Para confirmá-lo é preciso tomar períodos de tempo um pouco maiores do que o dia-a-dia (ou o mês-a-mês) das bolsas.

É evidente que a formação de bolhas mascara esta realidade, mas as bolhas não são eternas, desincham ou rebentam. A consideração de um período mais alargado, mostraria que as taxas de rentabilidade do sistema financeiro não estão assim tão "descoladas" das taxas de rentabilidade no sistema produtivo; antes pelo contrário, seguem-nas de perto.

Aliás, doutro modo nem se compreenderia como é que, com a enorme mobilidade, a enorme volatilidade, a enorme facilidade de investir no sistema financeiro, os capitalistas empresários (na terminologia do Marx) não desatariam todos a largar o sistema produtivo para investir na bolsa, em derivados ou no que quer que seja. Não confundir surtos especulativos, a formação de bolhas, com as taxas médias reais, em período mais prolongado, do sistema financeiro.

(continua)

Anónimo disse...

(continuação)

Os lucros, reais ou fictícios do sistema financeiro, em última instância têm a sua raiz na mais-valia extraída da exploração dos trabalhadores produtivos. Ou, mas isso é irrelevante para a nossa história, das perdas e da espoliação dos pequenos investidores, da concentração e centralização do capital financeiro nos grandes tubarões (mas, repito, aqui trata-se apenas de redistribuição de valor, não de criação de novo valor).

[Deixarei para outra ocasião a consideração de como a baixa da taxa de juro, com o consequente aumento do lucro do empresário, diferença entre a taxa de lucro e a taxa de juro, anima e contribui poderosamente para o crescimento do sistema financeiro.]

A lei do declínio tendencial da taxa geral de lucro é uma lei formulada em valor, que pode ter a sua tradução no sistema de preços, mas que não pode ser confundida com ganhos fictícios provisórios (efémeros, disse o Sérgio).

A acumulação capitalista e a competição (intensificada e exacerbada pelos grandes monopólios, ao contrário do que quer fazer crer uma certa escola que se reclama do marxismo, mas que depois vai beber aos enxertos keynesianos e kaleckianos da noção de monopólio na competição perfeita da escola neo-clássica), a acumulação e competição capitalistas, dizia, criam bolhas e crises, mas é preciso distinguir bem as causas das primeiras, das causas das segundas, sobretudo quando, como é o caso da presente depressão (diferentemente da crise das dote.com, das bolsas tecnológicas, do início da década passada), estão BEM CENTRADAS NA ECONOMIA REAL, embora tenham sido desencadeadas, e tenham expressão especialmente aguda, no sistema financeiro.

À partida, discordo profundamente da tese de que o desenvolvimento do sistema de crédito, ou do sistema financeiro, contraria a baixa da taxa de lucro. Pelo menos, a demonstração tem que ser muito mais convincente.

Um abraço de agradecimento pelo contributo para a reflexão, com um pedido de desculpas pelo atabalhoado, extremamente limitado pelo tempo disponível num local público.

HM

GR disse...

Sobre estes (6) post's que os tenho lido atentamente, hoje fui rever esta grande contribuição sobre Marx/Economia/Crise, etc.
Mais adiante mostrando reconhecimento ao Prof. Adérito S. Nunes, que te deu a conhecer Marx, dizes esta frase magnífica: ”Podia ter enveredado por mau caminho!”

Vale a pena rever - http://vimeo.com/7154513

GD BJ
GR

Anónimo disse...

Acima disse, em comentário apressado, que discordava que o desenvolvimento do sistema de crédito e financeiro contrariasse o declínio tendencial da taxa geral de lucro.

Receio que possa ser mal interpretado. Referia-me, como me parece óbvio pelo contexto, ao desenvolvimento da especulação e ao hipertrofiamento da esfera financeira. Esta dinâmica, em que massas de valor são desviadas da esfera produtiva para a esfera financeira, se alguma coisa faz, diria à partida, é agravar o declínio (sempre tendencial) da taxa de lucro, pela punção de mais-valia que retira do sistema produtivo, não o contrário.

É no entanto verdade, noutro contexto quase antagónico, que o sistema de crédito (e essa é uma das justificações do seu desenvolvimento no capitalismo), quando se destina a alimentar o investimento produtivo, contribui para contrariar a baixa da taxa de lucro. De forma, digamos, indirecta. Pela aceleração da rotação do capital, ou seja, pelo encurtamento do tempo médio de rotação do capital.

Suponhamos, para simplificar o raciocínio, que em vez de uma o capital social tem duas rotações por ano: então o capital variável, no denominador da fórmula clássica (em valor) da taxa de lucro é dividido, logo diminuído, por dois, aumentando a taxa de lucro, calculada ao ano.

O Marx estuda também, com alguma minúcia, este fenómeno. E deixa pistas muito interessantes para a nossa reflexão actual. A tentativa, com limites estreitos, de deter o declínio da taxa de lucro pela aceleração da rotação do capital. Creio que se pode encontar aqui um fundamento teórico, muito geral, que ajuda a explicar a aceleração da vida económica, e por arrasto da vida social e política (e cultural e comunicacional) do capitalismo moderno. Mas isto são outras navegações. Fica a pista para reflexão.

HM

P.S. Abusando da paciência do Sérgio, permito-me fazer-lhe uma pequena provocação no comentário abaixo.

Anónimo disse...

Acima disse, em comentário apressado, que discordava que o desenvolvimento do sistema de crédito e financeiro contrariasse o declínio tendencial da taxa geral de lucro.

Receio que possa ser mal interpretado. Referia-me, como me parece óbvio pelo contexto, ao desenvolvimento da especulação e ao hipertrofiamento da esfera financeira. Esta dinâmica, em que massas de valor são desviadas da esfera produtiva para a esfera financeira, se alguma coisa faz, diria à partida, é agravar o declínio (sempre tendencial) da taxa de lucro, pela punção de mais-valia que retira do sistema produtivo, não o contrário.

É no entanto verdade, noutro contexto quase antagónico, que o sistema de crédito (e essa é uma das justificações do seu desenvolvimento no capitalismo), quando se destina a alimentar o investimento produtivo, contribui para contrariar a baixa da taxa de lucro. De forma, digamos, indirecta. Pela aceleração da rotação do capital, ou seja, pelo encurtamento do tempo médio de rotação do capital.

Suponhamos, para simplificar o raciocínio, que em vez de uma o capital social tem duas rotações por ano: então o capital variável, no denominador da fórmula clássica (em valor) da taxa de lucro é dividido, logo diminuído, por dois, aumentando a taxa de lucro, calculada ao ano.

O Marx estuda também, com alguma minúcia, este fenómeno. E deixa pistas muito interessantes para a nossa reflexão actual. A tentativa, com limites estreitos, de deter o declínio da taxa de lucro pela aceleração da rotação do capital. Creio que se pode encontar aqui um fundamento teórico, muito geral, que ajuda a explicar a aceleração da vida económica, e por arrasto da vida social e política (e cultural e comunicacional) do capitalismo moderno. Mas isto são outras navegações. Fica a pista para reflexão.

HM

P.S. Abusando da paciência do Sérgio, permito-me fazer-lhe uma pequena provocação no comentário abaixo.

Anónimo disse...

Que o Sérgio me permita a reprodução, e me permita também a sugestão atrevida de publicação no corpo do blog (igualmente válido para qualquer leitor), da seguinte historieta, que conhece bem, pois foi publicada como nota de rodapé num livro brilhante do “seu tempo” (salvo seja), «A troca desigual», do Arghiri Emmanuel. Discordo da tese central do livro, que não obstante me abriu muito os olhos, mas entre outras formulações e considerações notáveis, esta simples anedota diz mais e explica melhor o que é a especulação bolsista do que muitas elocubrações teóricas.

HM


Isaac e Levy são dois joalheiros instalados frente a frente na mesma rua. Um dia Isaac compra um colar de pérolas finas por dez dólares apenas. Vai-se gabar disso junto de Levy. Levy fica maravilhado. «Vende-me esse colar», suplica ele, «tinha justamente prometido um semelhante à minha mulher Rebeca, ela ficará encantada, aqui tens onze dólares». Isaac deixa-se convencer. Ao meio-dia conta o negócio à sua mulher Sara. «Às dez horas da manhã», diz ele, «comprei um colar por dez dólares, às dez e cinco revendi-o a Levy por onze dólares. Ganhei um dólar em cinco minutos».
– Imbecil, diz-lhe Sara. Cais sempre nas mesmas... Se Levy te comprou esse colar por onze dólares, é porque viu que ele valia muito mais. Trata de o ir recuperar imediatamente.
De tarde Isaac vai ter com Levy. «Levy», diz ele, «se és meu amigo, revende-me esse colar. A Sara fez-me uma destas cenas... Tens aqui doze dólares».
Levy aceita e à noite conta a Rebeca a sua aventura: «Esta manhã Isaac veio vender-me um colar por onze dólares e esta tarde voltou a comprar-mo por doze. Ganhei um dólar sem me mexer do meu balcão.»
– Imbecil, diz-lhe Rebeca. Fazes sempre das mesmas. Mas se Isaac voltou a ter contigo para te comprar esse colar por mais um dólar do que to tinha vendido, é porque entretanto descobriu que ele valia muito mais. Vai recuperá-lo.
No dia seguinte de manhã Levy põe treze dólares em cima do balcão de Isaac e retoma o colar. No dia seguinte é a vez de Isaac por 14 dólares e assim de seguida.
Algumas semanas mais tarde, o colar está a 24 dólares e encontra-se em poder de Isaac. Levy chega e põe 25 dólares em cima da mesa.
– O colar, diz ele.
– Já não há colar, responde Isaac. Ontem à noite, antes de fechar, passou uma americana, ofereci-lho por trinta dólares, ela levou-o.
Levy fica desesperado.
– Vendeste o nosso colar! Mas, desgraçado, com esse colar, sem grande pena, calmamente, ganhávamos por dia um dólar cada um. E tu vendeste-o! O nosso ganha-pão!
Quando se conta esta história em sociedade, geralmente as pessoas riem. A ideia de que se possa enriquecer sem produção nem alienação parece-lhes ridícula. Mas quando exactamente a mesma coisa se produz na Bolsa, com a única diferença de que em vez de termos um Isaac e um Levy, temos mil Dupont e mil Durant que trocam acções, as pessoas tomam isso absolutamente a sério e até estão prontas a tomar parte no jogo. O que era objectivo e imaginário no caso dos dois indivíduos tornou-se objectivo e real no caso de grande número de indivíduos.


Arghiri Emmanuel
A troca desigual, volume I, pp. 165-6, nota de rodapé, editorial Estampa, 1973 (edição original francesa de 1972).

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

Eu não diria que a «injecção de dinheiro fictício» será um «novo factor que venha contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro».
Por mim vejo esse fenómeno mais como uma «fuga para a frente» por parte dos gestores do Capital, uma espécie de «cosmética gigantesca» (um «lifting de tenta de rejuvenescimento»...) da dinâmica do sistema.
Por outro lado, se a injecção de capital fictício tem como efeito a «desvalorização do dinheiro» (= inflação «potencialmente explosiva»...) isso vai ter como efeito a redução real do valor dos rendimentos do Trabalho, assim como a desvalorização dos elementos do capital constante (aliás, dois dos factore enunciados já por Marx como «contratendências»)
De resto foi altamente reconfortante ver tanta gente nova a falar com bastante sabedoria sobre questões de filosofia e modo de pensar dialécticamente... Talvez faça falta maior ênfase nas questões da Economia Política, como se pode verificar pelo comentário (muito interessante) que aqui deixou «Anónimo».