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Edição Nº2166 - 4-6-2015
Quando o PCP afirmou, já há
alguns anos, que a «crise das dívidas soberanas» era uma expressão do
aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e, por isso, também uma crise
da União Europeia, dos seus pilares e fundamentos, sabia bem do carácter global
dessa afirmação.
A crise económica na
União Europeia mantém-se e irá manter-se, sendo o cenário de uma estagnação
económica prolongada, acompanhada de taxas de juro e inflações perto do zero, o
cenário mais plausível. Não somos nós que o dizemos. São figuras insuspeitas tal
como Larry Summers1, que afirmam que «a Zona Euro vai enfrentar tensões e desafios
substanciais durante o resto da década»2, falando de uma «estagnação secular».
Fruto de uma poderosa ofensiva de
exploração e regressão social a crise social marca hoje a realidade da UE. O
desemprego persistente e cada vez mais estrutural aí está, a par com os 133
milhões de pobres, cada vez mais jovens, e com as gritantes e crescentes
desigualdades reconhecidas no recente relatório da OCDE.
Mas a crise não se fica por aqui. Como previmos, os
próprios pilares da União Europeia são postos em causa, a sua verdadeira
natureza vem ao de cima e as políticas de ataque directo à democracia e à
soberania dos povos intensificam-se. Amanhã tem início – com uma tranche de 300
milhões – a sangria de 1,7 mil milhões de euros ao povo da Grécia num só mês. O
Governo grego, sujeito a uma tenaz de chantagem política e asfixia financeira, e
tentando lidar com as suas próprias contradições, divisões e hesitações tenta
aquilo que a realidade mostra ser impossível: «um acordo que ligue o respeito pelo veredicto do
povo grego ao respeito pelas regras que regem a zona Euro»3.
A questão grega é económica,
mas é também e sobretudo política e ideológica, isto porque a crise na e da
União Europeia não é meramente económica, tem a ver com a questão central do
poder, no plano nacional e internacional. Um dos conselheiros económicos de
Merkel prova-o ao afirmar que qualquer cedência ao Governo de Atenas seria «um
risco moral» pois «A Grécia tem de
voltar aos acordos que o governo anterior negociou», concluindo que é mais perigoso uma cedência à
vontade do povo grego do que o cenário Grexit
(saída da Grécia da Zona Euro)4. Estas
declarações dizem quase tudo sobre o ponto em que está o caso grego. Demonstram
também a profundidade da crise de legitimidade política da União Europeia e a
chantagem e ataque directo à democracia que as «instituições» levam a cabo. As
contradições do processo de integração capitalista estão ao rubro, impulsionam a
arrogância e as políticas de imposição. Já não se disfarça os métodos: os
senhores da UE e do FMI (Merkel, Hollande, Juncker, Draghi e Lagarde) reuniram
na segunda-feira em Berlim para decidir os termos do ultimato à Grécia. Mas esta
violência política, este desrespeito explícito pela vontade dos povos está a
conduzir a outras expressões da crise: nomeadamente a crise dos sistemas de
representação burguesa tão bem expressa nas recentes eleições em Espanha, Itália
e Grã-Bretanha. Uma crise política, dos sistemas políticos e da super estrutura
política da UE que por sua vez se desenvolve no quadro do aprofundamento das
contradições dentro do campo imperialista.
Todos dizem que os próximos
dias e semanas serão decisivos para a Europa. Não sabemos se o serão, uma vez
que compete em último caso aos povos decidir, tal como não sabemos qual o
desfecho dos mais recentes embates entre o Reino Unido e o eixo Paris Berlim.
Mas uma coisa é certa: as crises na UE aprofundam-se e confirmam o que o PCP
diz: uma outra Europa terá de nascer das ruínas de um processo de integração
capitalista esgotado, contrário aos direitos dos povos.
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1 Reitor da Universidade de
Harvard, ex-secretário de Estado do Tesouro de Bill Clinton e conselheiro
económico de Barack Obama.
2 O Observador –
25/05/2015
3 Alex Tsypras – Le Monde –
01/06/2015
4 Diário Económico –
27/05/2015
Ângelo Alves
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