A França
tem um novo inimigo, a juntar aos vários inimigos internos e externos que
tem vindo a alimentar. Melhor, uma
certa ideia de França está a desmoronar-se perante a
evidência do imparável crescimento da Frente Nacional (FN). A
extrema-direita francesa, racista, xenófoba, demagógica, populista, anti-globalização,
anti-união europeia, e o mais que se queira, não venceu em nenhuma das 13 regiões,
mas recolheu ontem o voto de seis milhões e meio de franceses. Perdeu uma
batalha. Porém, a causa maior pela qual luta é outra. Aí o combate assume
novas proporções e, como diz hoje Joël Gombin, especialista em
extrema-direita numa entrevista ao Libération, os resultados de ontem
"devem garantir à FN a presença na segunda volta".
Avizinha-se uma guerra. Tem data marcada, maio de 2017, e chama-se eleições
presidenciais. Será o
tudo ou nada para Marine Le Pen e os principais partidos
políticos franceses já identificaram o problema.
Não significa que o tenham percebido. Tal como não perceberam quando, ao
longo de anos, por razões estratégicas, a Frente Nacional, tida como uma bizarria de Le Pen,
foi em momentos cruciais levada ao colo para o regaço de potenciais
eleitores. No El País, em artigo intiulado "Un desastre anunciadio", Samir Naïr,
filósofo franco-argelino especialista em emigração, recorda como a história
da subida da Frente Nacional começa nos anos de 1980, com Miterrand, para
lá do não cumprimento de promessas como as de acabar com o desemprego, a
usar uma estratégia
muito perigosa ao apostar na FN para tentar dividir a
direita e impedi-la de vencer as eleições. Face a um apelo de Le Pen, que
na altura não estava, sequer, a conseguir reunir as assinaturas necessárias
para concorrer às presidenciais, Miterrand fez com que lhe fossem escancarados os programas de maior
audiência na televisão e rádio nacionais. O próprio Le Pen
chegou a afirmar que "A 'omertá' foi rompida graças a
Miterrand".
Naïr poderia recuar um pouco mais e ir até Jacques Chirac, que em junho de
1991, então ainda "Maire" de Paris, ao fazer em Orléans o agora
célebre discurso do "odor e do barulho" provocado pelos
emigrantes, de alguma forma credibilizou
muitas das teses da FN.
São palavras duras, estas. Parecerão até injustas. Sê-lo-iam se o objetivo
fosse radicar na ação daqueles ex-presidentes da República a ascensão da
FN. Ou acrescentar-lhes apenas o
papel de Sarkozy nesta última semana, que se deslocou tanto
para a direita que, em alguns casos, se tornava difícil perceber se quem
falava era um ideólogo da FN ou um "republicano", como passou a
chamar-se o centro-direita. É impossível afastar da análise à ascensão da
FN as consequências de
uma crise económica prolongada e sem fim à vista, a raiva
provocada pela exponencial disparidade entre os rendimentos dos mais ricos
e os dos mais pobres, os mal resolvidos problemas de emigração, o
acantonamento de emigrantes em verdadeiros guetos, o dilema da segurança
e como a resolver no contexto de uma sociedade democrática (tema levantado
no que ando a ler). Tudo questões em geral arredadas de um debate sério e
consequente no âmbito do espaço público.
Os próximos dias serão pródigos na produção de análises ou contributos para
perceber como foi possível um movimento durante anos visto como apenas umas
excentricidade se ter tornado na
terceira força política francesa, com praticamente a mesma percentagem (28%) de votos do PS (29%). No
jornal Público, Jean-Yves Camus, diretor do Observatoire des Radicalités
Plitiques da Fundation Jean Jurés, autor de vários livros sobre a
extrema-direita, assegura que a "França nunca esteve tão à direita como hoje".
É uma evidência patente, desde logo, no modo como funcionou esta espécie de
aliança republicana contra a FN. O método em si mesmo nem é novo, com todos
os riscos implícitos para
o PS, que ficará todo um mandato sem qualquer presença nos
órgãos políticos de várias regiões. A grande diferença, que dá substância à
afirmação de Camus, reside no facto de, não há muitos anos, esta disciplina
republicana ser materializada em desistências
recíprocas, à segunda volta, dos candidatos do PS e do
Partido Comunista Francês para vencerem a direita. Desta vez não houve
reciprocidade. O PS desistiu em várias regiões em favor do colocado melhor
colocado, mas Sarkozy, determinado em assegurar uma posição forte para
entrar na corrida às presidenciais, não
tomou a mesma atitude em favor da esquerda. A abstenção
diminuiu (41%), Sarkozy venceu (40,7%), mas radicalizou o discurso à
direita. Criou anti-corpos no seu próprio partido. Seguiu uma estratégia
perigosa, mesmo aos olhos dos seus correligionários, por pressentirem que
está a facilitar o caminho de François Hollande.
O presidente, de resto, não
está também isento de críticas, pela suspeita de que poderá
estar a atuar em função das presidenciais de 2017. O modo como o poder
reagiu aos atentados terroristas de 13 de novembro em Paris foi caracterizado pelo excesso,
segundo vários analistas, com declarações de guerra, estado de emergência
prolongado, anúncio de mudanças constitucionais, mudanças na lei da
atribuição de nacionalidade. O Estado acaba por adotar como suas algumas
propostas passíveis de reforçarem o clima
de medo e a deriva securitária tão ao gosto da FN.
Muito vai estar em jogo na política francesa a partir de agora, com óbvias
repercussões na Europa. Está tudo em aberto e pejado de incógnitas sobre a
evolução do eleitorado até 2017. Como se percebe, já ninguém ousa lançar a
pergunta que demasiadas vezes muitos quiseram colocar em tom jocoso: C'est qui, Marine Le Pen?
(...)
Para descomprimir, vamos lá abandonar a França e ouvir um pouco de rádio em português, onde,
já agora, a música francesa tem um lugar de relevo. Ainda se lembra daqueles
programas tão cativantes e tão envolventes que o tempo parecia correr à
velocidade da luz? Já não existem, dirá. Não é verdade. Experimente sintonizar
a Antena 1 às 0h00 das terças-feiras e terá uma enorme surpresa. Prepare-se para ouvir algo raro.
Chama-se "Crónicas da Idade Mídia" e é uma invenção
de Ruben de Carvalho, muito bem acompanhado por Iolanda Ferreira. Ruben é uma enciclopédia
de conhecimento, de saber. Iolanda é, sem ofensa, uma excelente facilitadora de conversas.
Trata-se de uma hora de viajam no tempo, durante a qual se contam histórias
grandiosas, umas, deprimentes outras, sempre a partir da relação que tiveram com a música,
ou vice-versa. Já por lá passaram programas sobre a Belle Époque, Nelson
Mandela, as histórias das músicas de Natal, Edith Piaf, fados e desgarradas,
pubs irlandeses, as músicas associadas à Revolução Francesa, ao 25 de abril em Portugal.
A lista é gigantesca e inclui grande espaço para uma das paixões de Ruben de
Carvalho, a música popular norte-americana, nas suas múltiplas vertentes, dos
blues ao rock, do jazz ao folk. Experimente
entrar porque inúmeros programas já emitidos continuam disponíveis
na página da Antena 1.
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1 comentário:
Interessante análise de Valdemar Cruz,sobre as eleições francesas.Nada,que não saibamos,claro!Acresce,a importancia dada a Marine Le Pen,pelos mídias,cujo comportamento .é igual em todo o lado.É a classe mais perversa,dos nossos dias|Bjo
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