quinta-feira, dezembro 23, 2010

Inside Job... e o outside

Disse que voltaria a este filme... Aqui estou. Porque este filme tem muito que se lhe diga.

Porque diz muito. Embora, obviamente, não diga tudo.

Neste "trailer" do filme de Ferguson está uma frase que tinha tomado nota: é um governo da Wall Street.

Mas quantos mais governos não são os governos da especulação e das finanças... dos mercados? E não temos de sair de casa, de passar fronteiras. Que, aliás, o capital financeiro desconhece.

Diria que Inside vale a pena ver, deveria ser visto. Mas... mas tendo bem consciência de que há um Outside que são as consequências do inside tão bem denunciado, e que só este outside desse inside pode mudar o rumo das coisas, fazer mais do que denunciar, conseguir que uns "abusadores" sejam condenados (a quê?), enquanto as condições para os abusos são inerentes, intrínsecas ao sistema. Ao capitalismo.

Vejamos:

Por exemplo (e parece-me bom), Nicolau Santos titula que é o filme que todos os banqueiros deviam ver. Também acho, embora não espere desse visionamento quaisquer melhorias. Porquê? Porque o filme mostra "como a desregulamentação esteve na base da crise", diz NS mas não diz o que esteve na base da desregulamentação; porque diz que o filme mostra "a prova da perversidade e falta de honestidade dos reputados banqueiros" e "como as agências de rating -Standard & Poor, Moody's e Fitch - receberam milhões em comissões ao atribuir ratings AA ou AAA a produtos e instituições que um mês depois não valiam nada ou estavam na falência", mas não aproveita a embalagem para lembrar que essas mesmas agências que, fluorescentes, servem os "mercados" para estes destruirem economias de países soberanos; Inside Job - A Verdade da Crise mostra, e é verdade na crise!, "o papel catastrófico que o secretário de Estado do Tesouro Henry Paulson, teve no despoletar da crise" mas... esse secretário de Estado estava lá por acaso?

A partir do filme, escreve-se, indignadamente, de ganância que ultrapassou tudo, de hipocrisia que é tão absoluta que até dizem ao presidente do FMI que deveriam, eles, sermais regulados quando foram, eles, que tiveram o poder para acabar com as regulações, sempre ou quando lhes convinha.

Termina Nicolau Santos a escrever que Inside Job - A Verdade da Crise "mostra como milhões de pessoas em todo o mundo perderam as suas poupanças e os seus empregos por causa de muitos destes senhores importantantes que não passam de um bandalhos sem ética nem moral". Mas não nos quer explicar porque é que "a pílula amarga que o filme nos deixa é que muitos deles foram chamados pela Administração Obama para darem os seus conselhos".

Acabar, com uma "grande frase" - "o negócio segue dentro de momentos" - é muito. É um grand final!

Mas, perguntaria eu..., quantos desses senhores viram o filme, seguindo bons conselhos, sem que tal lhes tivesse feito a mínima mossa, a não ser, talvez..., suscitar um desejo de censura (e outras acções) mc-carthistas.

E dizer, com desalento, que o negócio segue, sendo muito, também é muito pouco porque falta aconselhar os que estão no desemprego e os que tudo perderam ou estão em risco de perder, a ver o filme, e a tomarem o futuro nas suas mãos. Porque se há culpados - e há! - a verdade da crise está no sistema que a cria, e não nos gananciosos e hipócritos que dele se aproveitam, e que são protegidos mesmo quando parece que os acusam fazendo esquecer que são as suas próprias dinâmicas que assim fazem funcionar.

_______________________________

Porque será que não me sai da cabeça o título de um velho filme de Carlos Saura, Cria corvos (que eles te comerão os olhos)?

2 comentários:

Justine disse...

Está feito, com o teu post, um excelente comentário que vai para além do "inside", vai até ao tutano da coisa...

Graciete Rietsch disse...

Tão bem explicado que nos leva do"inside" ao "outside". Vai mesmo àquilo que se chama o "âmago da questão".
Obrigada Professor.

Um beijo.