No excelente repositório de posições reflectidas sobre a realidade que se vive que é odiario (www.odiario.info), onde sempre se encontra tão útil "material", este artigo de Paul Krugman, na sequência de outros textos que o Prémio Nobel da Economia tem publicado, merece (e justifica) ser lido... e reflectido. Sobretudo quando se é obrigado a "ouver papagaios" (uns cinzentões, outros mais coloridos) debitar cartilhas, com a convicção de grandes e inacessíveis detentores de uma "ciência económica" onde não cabem as designações de capitalismo e de neo-liberalismo.
Paul Krugman
02.Ago.11
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Mesmo entre os economistas burgueses, só os radicais neo-liberais não querem compreender que enfrentar o problema do défice público à custa do corte brutal na despesa conduz necessariamente ao aprofundamento da crise. É assim em Portugal, é assim nos EUA, com a nova capitulação de Obama perante a extrema-direita republicana. Mas o mais interessante neste texto de Paul Krugman é uma conclusão que tem igualmente paralelo no nosso país: enfrentar a crise pela via da radicalização da exploração não conduz apenas a economia ao desastre. Conduz também a democracia ao colapso.
Mesmo entre os economistas burgueses, só os radicais neo-liberais não querem compreender que enfrentar o problema do défice público à custa do corte brutal na despesa conduz necessariamente ao aprofundamento da crise. É assim em Portugal, é assim nos EUA, com a nova capitulação de Obama perante a extrema-direita republicana. Mas o mais interessante neste texto de Paul Krugman é uma conclusão que tem igualmente paralelo no nosso país: enfrentar a crise pela via da radicalização da exploração não conduz apenas a economia ao desastre. Conduz também a democracia ao colapso.
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Está em elaboração um acordo para elevar o tecto do endividamento federal. Se se vier a concretizar, muitos comentadores irão afirmar que se evitou o desastre. Mas estarão errados.
Porque o acordo, a julgar pela informação disponível, é um desastre, e não apenas para o Presidente Obama e para o seu partido. Irá afectar uma economia já de si deprimida; irá provavelmente tornar pior o problema norte-americano do défice de longo prazo, em vez de o melhorar; e, mais importante do que tudo o resto, pelo facto de mostrar que a mais crua extorsão funciona e não acarreta custos políticos, dará um forte impulso à trajectória que conduz os EUA ao estatuto de república das bananas.
Comecemos pela economia. O que temos actualmente é uma economia em profunda depressão. Quase de certeza que continuaremos a ter uma economia deprimida ao longo de todo o próximo ano. E iremos provavelmente ter uma economia deprimida em 2013, se não mais além ainda.
O pior que pode fazer-se nestas circunstâncias é cortar na despesa pública, porque isso irá aprofundar ainda mais a depressão económica. Não dêem ouvidos aos que invocam a fada da confiança, afirmando que uma intervenção orçamental drástica aumenta a confiança das empresas e dos consumidores, levando-os a aumentar o consumo. De facto, não é assim que funciona, como o confirmam muitos estudos sobre o registo histórico da economia.
De facto, cortar na despesa quando a economia se encontra em depressão nem sequer resolve grande coisa na situação orçamental, e até pode muito bem agravá-la. Por um lado, as taxas de juro dos empréstimos federais são muito baixas e portanto os cortes na despesa pouco contribuem para reduzir o custo dos juros futuros. Por outro lado, enfraquecer a economia neste momento irá afectar as suas perspectivas de longo prazo, o que por sua vez irá reduzir as receitas futuras. Por isso, aqueles que agora reclamam cortes na despesa agem como os médicos medievais, que tratavam os doentes sangrando-os e, dessa forma, tornando-os ainda mais doentes.
Depois, temos ainda os termos do acordo conhecidos até agora, que constituem uma abjecta rendição por parte do presidente. Primeiro, haverá grandes cortes na despesa sem qualquer acréscimo na receita. Depois, um painel irá elaborar recomendações para uma posterior maior redução do défice – e se essas recomendações não forem aceites haverá mais cortes na despesa.
Supõe-se que os republicanos terão um incentivo para fazer algumas concessões na próxima ronda, uma vez que as despesas com a defesa estão entre as áreas sujeitas a cortes. Mas o G.O.P (Grand Old Party, o partido republicano) acaba de demonstrar a sua disponibilidade para correr o risco de um colapso financeiro se não conseguir tudo aquilo que a sua ala mais extremista reivindica. Haverá razão para esperar que numa próxima ronda irão mostrar-se mais razoáveis?
De facto, os republicanos irão certamente sentir-se encorajados pela forma como o sr. Obama acumula cedências perante as suas ameaças. Rendeu-se em Dezembro passado, prolongando todos os cortes fiscais de Bush; rendeu-se na primavera quando eles ameaçaram bloquear o governo; e rendeu-se agora em grande escala perante a crua extorsão em torno do tecto do endividamento. Pode ser que seja só eu, mas identifico nisto um padrão de comportamento.
Tinha o presidente alguma alternativa desta vez? Tinha.
Primeiro que tudo, podia e devia ter pedido um acréscimo no tecto de endividamento logo em Dezembro. Quando lhe foi perguntado porque é que o não tinha feito respondeu que estava seguro que os Republicanos iriam agir responsavelmente. Bela aposta.
E mesmo agora a administração Obama podia ter recorrido a instrumentos legais que lhe permitiriam contornar o tecto de endividamento, para o que tinha numerosas opções disponíveis. Em circunstâncias normais isso representaria um recurso extremo. Mas perante a realidade do que está a suceder, nomeadamente a crua extorsão por parte do partido que, no fim de contas, apenas tem o controlo de uma das câmaras do Congresso, tal acção seria totalmente justificável.
No mínimo, o sr. Obama poderia ter feito uso da possibilidade de um impasse legislativo para reforçar a sua posição negocial. Em vez disso, no entanto, o que fez foi pôr de lado todas essas opções desde o início.
Mas assumir uma posição dura não iria preocupar os mercados? Provavelmente não. De facto, se eu fosse um investidor sentir-me-ia não desanimado mas confiante perante uma demonstração de que o presidente está disposto e tem condições para fazer frente à chantagem promovida por extremistas de direita. Em vez disso, ele optou pela atitude contrária.
Não haja qualquer dúvida: aquilo que se passa perante nós neste momento constitui, a múltiplos títulos, uma catástrofe.
É, evidentemente, uma catástrofe política para os Democratas, que há algumas semanas pareciam ter os Republicanos em debandada em resultado do seu plano de desmantelamento do Medicare; o sr. Obama, neste momento, desbaratou tudo isso. E os danos não acabaram: haverá mais momentos de impasse em que os Republicanos poderão ameaçar criar uma crise se o presidente não se render, e agora podem agir com a confiante expectativa de que ele o fará.
A longo prazo, no entanto, os Democratas não serão os únicos derrotados. Aquilo que os Republicanos acabam de conseguir põe em causa todo o nosso sistema de governo. Afinal de contas, como pode a democracia americana funcionar se quem acaba por ditar a política será o partido, seja ele qual for, que esteja melhor preparado para agir da forma mais implacável e para pôr em causa a segurança económica do país? E a resposta é que provavelmente não poderá.
* Publicado pelo New York Times, 31.07.2011
1 comentário:
Afinal para que serve o Nobel?
Ninguém ouve este Prémio Nobel da Economia? Pois…não interessa!
Bjs,
GR
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