quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Correia da Fonseca a merecer "bota de ouro"

publicado em
 - Edição Nº2149  -  5-2-2015

O MAU MOMENTO

A atenção dispensada pelos telespectadores a quem surge no ecrã dos seus televisores a dar notícias, debitar comentários ou participar em polémicas, tendo naturalmente a ver com o que é dito, terá provavelmente mais ainda a ver com quem o diz. Exemplifiquemos com um imaginário confronto entre os eventuais comentários a uma arbitragem desastrada feitos por Cristiano, “o melhor do mundo”, e por Zequinha, o generalizadamente ignorado ponta-de-lança de Os Unidos de Lavapés: é claro que as declarações do primeiro suscitarão intermináveis comentários ao passo que as palavras do segundo, mesmo se sábias e sensatas, só encontrarão indiferenças. Assim, é neste quadro que recentes palavras do senhor Presidente da República perante câmaras e microfones suscitaram entre muitos telespectadores não se dirá que grande emoção, pois na verdade as palavras do senhor PR já não provocam efeitos dessa intensidade se é que alguma vez os produziram, mas decerto alguma estupefação: nunca o senhor professor havia ido tão longe naquele terreno e também, digamos assim, tão a descoberto. É certo que nunca ele revelou enormes dotes para a verbalização de improviso, não se pode ter todos os talentos, mas desta vez dir-se-ia que as coisas se passaram como se nele uma qualquer peça se tivesse soltado e um mecanismo interior tivesse deixado de garantir funções reguladoras. Acontece, é claro: um Presidente da República não é o Papa, que é infalível e ainda assim apenas em matéria de fé. E, neste sem dúvida lamentável episódio, aconteceu. Ali, diante dos olhos e dos ouvidos de muitos milhares de cidadãos portugueses naturalmente atentos: afinal, quem falava não era o Zequinha dos Unidos de Lavapés, era o senhor Presidente de todos os portugueses.

De súbito, a gravação

Em abono da verdade e para melhor entendimento da circunstância, deve dizer-se que o senhor Presidente dava nítidos e acentuados sinais exteriores de irritação: tudo no seu rosto era crispação, todas as suas palavras eram disparadas como balas, salvo seja e com o devido respeito. A questão é que alguém dissera que o senhor PR, nos idos de Julho de 2014, falara do Banco Espirito Santo, então ainda não falecido mas já minada por grave doença, e que as palavras presidenciais haviam sido no sentido de confirmar a boa saúde financeira do enfermo. “-É mentira!”, gritou o senhor Presidente em manifesta crise de indignação. E as câmaras fixaram-lhe a expressão, os microfones gravaram-lhe o grito. Infelizmente, porém, a televisão não se extinguiu ali, como teria sido conveniente, e, pelo contrário, prosseguiu a emissão, as emissões. Ora, nesse prosseguimento ocorreu o mais lamentável que teria sido imaginável: a transmissão da gravação de uma declaração breve, mas clara e totalmente assertiva, de meados de Julho de 2014, em que o senhor Presidente tranquilizava o país inquieto acerca da boa saúde financeira do BES. É certo que se reportava a anteriores declarações do Banco de Portugal, como era de boa prudência e de inevitável lógica, pois bem se sabe que não cabe ao chamado “inquilino de Belém” andar a meter o presidencial nariz nas contas de um banco, mas as tranquilizadoras palavras dirigidas aos portugueses eram suas e, obviamente, sua a responsabilidade por elas. Em suma, não era mentira: Cavaco falara-nos do Banco Espírito Santo, sim, corroborando-lhe a solidez, e a única mentira havida ali seria a afirmação de ser mentira a garantia verbal que prestara. Perante isto, talvez nos cumpra a nós, cidadãos em geral, sermos generosos e esquecermos o mau momento do senhor PR. Porém, com uma dúvida inevitável: a de sabermos se também vão esquecer os que, tendo subscrito o aumento de capital então lançado no mercado porque confiavam na intervenção do senhor professor, perderam grandes ou pequenas fortunas, arruinaram-se ou não, mas de qualquer modo se sentem roubados. Também por efeito da confiança que depositavam talvez não tanto no já então duvidoso BES mas sim na peculiar voz do senhor Presidente da República cuja gravação pudemos agora voltar a ouvir.

Correia da Fonseca

1 comentário:

Olinda disse...

Acreditar em sua excelencia,ê sempre uma catâstrofe para os pequenos,e estes,deveriam ser mais cautelosos!

Bjo