Há
muita maneira de acompanhar o que está a acontecer na Europa, na União Europeia
dentro da Europa, no EuroGrupo dentro da União Europeia, dentro e entre os
países que são Estados-membros, cada um no seu e todos na confusão que grassa.
Pelo
meu lado, procuro acompanhar tudo em todas as suas faces e versos. O que é,
evidentemente, uma tarefa impossível… Mas tento apanhar, de cada face, de cada verso,
uma faceta ou uma facécia, algo que me ajude a perceber melhor o tempo que me
calhou viver.
O
aparecimento meteórico de Yanos Varoufakis despertou-me muito interesse. O
protagonismo que foi tomando, com a postura (ou pose?) determinada e convicta,
arrasta as perguntas quem é? e de onde apareceu?. Naturalmente,
as respostas encontradas pelo Expresso, que as foi buscar ao The
Guardian (que também visitei), dizem muita coisa do homem, até porque ele
as diz de si. E não são de hoje, e hoje não as renega, actualiza-as. Actualiza
relativamente ao Festival de Cinema de Zagreb, de 2013, em que fez uma
intervenção, que agora retoma, e que o retrata.
Não
obstante simpatizar com a afirmação de que Marx lhe deu as ferramentas
que o tornam imune à propaganda (a que chama tóxica) do neoliberalismo, não
vejo muito bem como pode usar essa ferramenta para salvar o capitalismo de
si próprio, o que terá a ver com a sua vocação ou tendência para abusar do
errático.
A
expressão/definição marxista errático é bastante sugestiva. E, só por
si, é traço identificador. Aliás, quem se queira marxista terá de ter algo de
errático (como será o significado do que se traduziu por erratic e
errático em língua grega?) porque interpreto ser marxistacomo não ser dogmático,
fechado, detentor de um ”modelo”, antolhada. Como ter Marx por exemplo, na sua
eterna (enquanto vivo) busca de conhecer mais e melhor (a sempre inalcançada “perfeição
das cousas”, diria Cesário que continuaria à procura se ainda estivesse
vivo século e meio depois). Vou mais longe: marxista errático é redundante.
Mas
também pode ser contraditório se se abusar do errático e o tornar em “à deriva”,
ou confundir com denúncia de erros de Marx. Que os teve, naturalmente. Que
reconheceu alguns e alguns corrigiu, como o de, no Manifesto (com Engels) falar
de trabalho onde devia falar de força de trabalho.
Por
isso me parece desajustado e malevolamente aproveitada a proximidade léxica e a
referência a erros de Marx dos quais o humilde Marx não tem qualquer responsabilidade.
Nem o marxismo.
E
aqui entronca uma outra confusão (se confusão é). Entre marxismo e comunismo,
ou melhor: entre marxista e comunista. Para mim, ser comunista é ter uma
concepção de vida e de universo, e assumir a tarefa de ajudar à transformação do
mundo para o tornar mais humano segundo essa concepção. E acho eu (veja-se lá…)
que se pode ser comunista sem se ser marxista (por de Marx pouco ou nada se
saber), mas já dificilmente entendo que se diga marxista quem não seja
comunista. Pois ser marxista implica a assunção dessa tarefa transformadora.
Que terá de ter gradações erráticas porque errático é o fluir da história, é a
sucessão dos sucessos. E implica a participação em colectivos que, enquanto
organização para o cumprimento da tarefa assumida, tenham o marxismo como parte
fundamental da base teórica.
O
que ainda menos entendo é que, após a errática auto-definição de marxista
errático e de denunciar "dois erros espectaculares de Marx", que não se percebe
muito bem quais tenham sido, Varoufakis avance com o enunciado de um truque,
cujo seria o de evitar o marxismo revolucionário. Ou seja, havendo um marxismo
errático, o que haveria a fazer seria usar do truque de evitar que o errático passasse
pela revolução, quando o marxismo é revolucionário, filosófica e economicamente, porque a sua matriz é a da mudança da qualidade (logo revolução)
nas coisas, é a alteração revolucionária das relações sociais de produção que
são a definição marxista de capital (nem errática, nem – acho eu…- errada).
Continuaria
a reflexão (que continua, evidentemente...). Apenas deixando, neste fugidio
apontamento, duas outras palavras como trampolim permanente para reflectir:
tempo (histórico) e necessidades (humanas).
1 comentário:
Texto a ler ao pequeno-almoço para digerir durante o dia.
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