segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Esclarecedora viagem por paragens pouco (e mal) frequentadas pela comunicação social




Jorge Cadima

 - Edição Nº2149  -  5-2-2015

Ils sont Abdullah


Aproveitando-se da indignação pelos crimes de Paris, dirigentes políticos mundiais desfilaram de braço dado para TV ver, longe da multidão. Na primeira fila dessa alegada marcha anti-terrorista seguia boa parte dos principais responsáveis pelo terrorismo de Estado nos nossos dias: os criminosos Hollande e Cameron, seguidores de Sarkozy e Blair nas guerras de rapina e destruição no Médio Oriente e África; o carniceiro de Gaza, Netanyahu; e o carniceiro do Donbass, Porochenko. Por razões não totalmente claras, Obama faltou à chamada.



Duas semanas depois, grande parte dos mesmos dirigentes foi em peregrinação à Arábia Saudita, prestar homenagem ao falecido rei Abdullah. Não foram poupados elogios. Obama valorizou «a nossa amizade genuína e calorosa»(International New York Times, 24.1.15). Blair disse que era «um modernizador», «amado pelo seu povo e cuja falta será profundamente sentida» (declaração do seu gabinete, 23.1.15). O International NYT chama-lhe um «reformador saudita» (24.1.15). David Cameron louvou a sua «dedicação à paz» e a directora-geral do FMI declarou que «era um grande dirigente, que introduziu muitas reformas internas e, de forma muito discreta, era uma grande defensor das mulheres» (Channel 4 News, 23.1.15). O Presidente de Israel, Rivlin, disse que «as suas sábias políticas contribuiram muito para a nossa região e a estabilidade do Médio Oriente» (Times of Israel, 23.1.15). A verdade é que a Arábia Saudita é uma férrea ditadura governada por uma casta de multimilionários que devem a sua riqueza, o seu poder e o seu próprio país, às manobras do imperialismo e que sempre retribuiram esses favores. O Reino é um dos mais activos patrocinadores dos bandos terroristas ao serviço do imperialismo, e não apenas os de raiz religiosa. Quando em meados dos anos 80 o Congresso dos EUA proibiu o financiamento da contra-revolução nicaraguense, os sauditas entraram com o dinheiro (NYT, 13.1.87). Não são tolerados partidos nem sindicatos, nem se faz de conta que existe um Parlamento. Não existe qualquer liberdade de expressão. Nos meses finais do reinado «reformador» e «amigo das mulheres», duas mulheres foram levadas a um tribunal anti-terrorista por conduzir um automóvel (NYT, 25.12.14) e um cidadão foi condenado a 1000 chicotadas e 10 anos de prisão por criar um blog para discutir questões religiosas (Human Rights Watch, 10.1.15). O que não impediu que Hollande e Fabius se deslocassem a Riade para prestar tributo ao rei saudita e à «sua visão duma paz justa e duradoira no Médio Oriente» (Libération, 23.1.15) – visão partilhada pela França e bem patente na Síria. Sem pestanejar, Je suis Charlie deu lugar a Je suis Abdullah. O desplante é estonteante, mas não surpreendente. A Arábia Saudita nunca foi alvo das grandes campanhas mediáticas e políticas contra o fundamentalismo islâmico. Porque a verdadeira questão é outra. A Arábia Saudita e o seu «capitalismo avançado» (International NYT, 24.1.15) estão do mesmo lado da barricada que Obama, Hollande, Cameron e o sionismo.


A hipocrisia sem limites dos chefes imperialistas revela algo importante: o racismo e a islamofobia que de forma cada vez mais aberta é promovida na comunicação social é – tal como o anti-semitismo dos anos 30 – apenas uma arma das classes dirigentes para dividir os trabalhadores e povos e para os arregimentar às suas políticas de guerra, exploração e rapina. Os elogios a Abdullah mostram que não há «choque de civilizações» quando se trata de arranjar acordos entre o grande capital e garantir a continuidade dos seus chorudos lucros. Poderão existir choques de interesses. E se algum dia a classe dirigente saudita decidisse seguir outro rumo, então sim ouviríamos falar dos crimes e pecados da sua ditadura e todo o arsenal imperialista – dos mísseis Cruzeiro às agências de notação, dos drones às pseudo-ONG – cairiam sobre a Península. E se, 'pior' ainda, o povo saudita se erguer para varrer a sua corrupta e serventuária classe dirigente, serão ensurdecedoras as campanhas imperialistas sobre o «perigo duma nova ditadura». Foi assim no nosso país, há 40 anos.

2 comentários:

Olinda disse...

Os meios de comunicacao dominantes nao denunciam as atrocidades da Arâbia Saudita.A Arâbia Saudita ê o principal comprador de armas do mundo,e isso,sô Alâ deve saber,e poucos mais.

Bjo

Olinda disse...

Os meios de comunicacao dominantes nao denunciam as atrocidades da Arâbia Saudita.A Arâbia Saudita ê o principal comprador de armas do mundo,e isso,sô Alâ deve saber,e poucos mais.

Bjo