FALA DO
FILHO ÚNICO
AOS SEUS IRMÃOS-TODOS-OS-OUTROS
AOS SEUS IRMÃOS-TODOS-OS-OUTROS
Nascer filho único
todos nascemos, menos os que vierem acompanhados de gémeos. O problema, se
problema é e para quem o seja, é crescer filho único. A falta de irmãos condiciona
esse crescimento. Não digo mais. Apenas digo que condiciona. Ou melhor: que me condicionou.
Meu pai queria que eu viesse a ser o que ele não tinha podido ser, minha mãe
protegia-me, maternalmente como mãe daquele/este único filho. Condicionou. E
sempre procurei amigos… fraternos.
Terei, por isso,
alguma sensibilidade exacerbada relativamente a amizades e fraternidades. Que,
a partir de determinada altura, procurei que me (re)condicionassem. Pela reflexão escorada na gama de valores que vieram constituindo as minhas idiossincrasias. E
juntei, a esses dois valores reciclados pela experiência – amizade e fraternidade –, um outro que dá pelo
nome de camaradagem.
Fortes abanões têm
sofrido a desejada pureza desses valores… mas não é disso que venho à fala.
Disso me reservo para outras reflexões e conversas. Venho à fala, nestas
lentas reflexões, a propósito de corruptelas generalizadas, ou até consensualizadas,
desses valores para que, para simplificar, se usam palavras definidoras e que arrastam outras como companheirismo, lealdade, solidariedade. E outras mais que,
como diz o Rubem Fonseca, não são para entender (com ajuda do dicionário?...)
mas são para sentir.
Vem este relambório
reflexivo a propósito do uso e abuso dessas corruptelas. A começar (e talvez a
acabar) pela de irmandade. Que logo transporta consigo uma implícita
característica de círculo fechado, de comunhão de interesses grupais, de
entre-ajudas reservadas aos “irmãos” ou "irmandados".
O que nada teria de
negativo se se limitasse, se possível fosse, ao “grupo dos almoços das 5ªs.
feiras”, à “irmandade do vinho palhete”, aos "parceiros da sueca" e semelhantes. Já não é assim, ou já
assim não será, se o círculo fechado não for transparente e for sectário, se os
interesses irmanados for conflitual com o interesse geral, se as entre-ajudas
forem clientelares, se, numa frase, as irmandades privilegiarem uns poucos à custa de
marginalização ou exclusão de todos os outros.
O papel da mediatização comunicacional é determinante nessa aceitação e consensualização de corruptelas ideológicas e de corrupções
materiais e, por isso, na cristalização de relações sociais de exploração, de desigualdade
social (com quantos pobres parentes ou semelhantes se faz um rico "irmão"?).
E o filho único, se se
sente irmão-de-todos-os-outros, reage contra as irmandades. Vale alguma coisa
essa reacção, a fala de anúncio/denúncia? Diria que é a forma mínima (e
microscópica, embora insubstituível) de luta contra uma organização da sociedade
que se caracteriza pela desumanidade a coberto de falsa utilização de valores humanos
e a adopção das suas corruptelas. Por isso, a reflexão e a fala. Contínuas.
2 comentários:
Sabe tão bem ,sentirmo-nos irmão ou irmã de outros!
Nunca estamos sózinhos,embora por vezes o possamos sentir,esses outros,estão sempre lá.
Parafraseando Eugénio, já gastaram as nossas palavras, meu amor!
Gostei muito da reflexão!
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