terça-feira, novembro 01, 2011

O tempo de trabalho, o voto "europeu" de Paulo Portas, a "zona de conforto" dos jovens desempregados, em "dia do bolinho"

Estamos a atravessar um período (histórico) de desnorte.
Não faço ideia, ninguém fará, quanto tempo demorará, mas por vezes é difícil atravessar o tempo que vivemos sem que uma grande angústia nos tome, sem que a indignação e a raiva cresçam em desmedida, sem que os dias sejam de ira. E só a luta, a luta contínua e continuada nos dá força para ultrapassar a angústia, a indignação, a raiva, os dias de ira.
Dies irae é uma expressão consagrada na música e na poesia, por tantos - Mozart e outros que tais, Miguel Torga e outros mais -, muitas vezes retirada do seu contexto literal e trazida para o significado religioso do dia do juizo final.
No fascismo, muitos dias sentimos como "dias de ira", e Miguel Torga os traduziu no seu Dies Irae, cujo começo tinha (e tenho) de cor, como um grito surdo, um berro mordido, sem angústias paradas porque sempre procurando a luta, onde e com quem, com as minhas forças e fraquezas, com "as incertezas dos homens com certezas".

  Dies Irae

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! Maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Miguel Torga, Cântico do Homem
Dies Irae - Dias da Ira,
título de um hino do século XIII
escrito por Tomás de Celano.

São outros (e os mesmos...) os fantasmas.
Mostram-se num governante (?!) a falar do desemprego como "área de conforto" e a aconselhar a emigração  como que numa reprimenda a quem se acolhe nessa...´"área de conforto"; num ministro dos negócios estrangeiros a dizer que "Portugal votou europeu" ao votar a abstenção na entrada da Palestina na Unesco, quando os países da Europa (sem aspas) votaram também sim e não, como os interesses nacionais que defendem lhes recomendou; quando se discutem horários de trabalho de maneira que nos remete para tempos de servidão e escravatura pré-capitalistas.

Dies irae

Só a luta!
E a alegria do dia do bolinho!

A ira cresce
mas a esperança multiplica-se.
Até já!


   

7 comentários:

Jorge Manuel Gomes disse...

EXCELENTE!!!

cid simoes disse...

Este poema será o do meu "bom fim de semana" e estes são os tempos em que cada um de nós atinge a sua verdadeira dimensão.

trepadeira disse...

Esta raiva que cresce até florir em sangue.

Guardo as pedras do caminho e não é para construir castelos.

Um abraço,
mário

Graciete Rietsch disse...

Que lindo texto táo bem rematado por Mozart!!!!!
Hoje ,os "Dies irae" crescem cada vez mais dentro de nós alimentando a nossa revolta e a esperança de outro futuro, que só com a luta conseguiremos.

Um beijo.

Carlos Gomes disse...

Um governo que recomenda aos seus cidadãos que abandonem o país - http://economico.sapo.pt/noticias/governo-incentiva-jovens-desempregados-a-emigrar_130198.html- é um governo que reconhece o seu falhanço, que não tem solução a apresentar ao país e à sociedade, um governo que merece ser enviado para o exílio antes que seja tarde demais!

Sérgio Ribeiro disse...

João Manuel Gomes - Com o Torga e o Mozart é fácil.

cid simoes - uma escolha sempre (a)certa(da).

trepadeira - metaforicamente... é para atacar canhões, como diz um camarada.

Graciete - ... e multiplicar a esperança.

Carlos Gomes - exactamente. É um governo a pedir que o exilem, ou seja, que o façamos emigrar!

Abraços e beijos

Olinda disse...

Este poema foi musicado pelo Luis Cilia e fez-me lembrar outros tempos de luta pois de luta tem sido sempre o nosso tempo.