terça-feira, abril 20, 2010

Reflexões lentas... e vamos lá a ver se percebo…

Então é assim, ou parece ser assim, ou quer-se que pareça que é assim… por ser assim:
As enormes, as exorbitantes, as escandalosas remunerações, com zeros que fazem milhões, de alguns sujeitos que saltitam do poder real para o “poder” político seriam muito benéficas para a economia em geral porque as empresas que assim os remuneram o fazem a partir dos seus lucros e, se lhes fosse pago menos, essas empresas teriam mais lucros para distribuir, logo haveria maiores dividendos, logo mais euros para mãos estrangeiras, o que prejudicaria a economia portuguesa.
Nesta ordem de ideias, a economia portuguesa ganharia com essas remunerações uma vez que, sendo portugueses (quase todos) esses privilegiados e até por aqui vivem, eles pagam, pelas suas exorbitantes remunerações, altos IRS, fazem compras nas nossas grandes superfícies e centros comerciais de luxo, pagam as quotas dos clubes portugueses, fazem mecenato e caridade, não aplicam o que lhes sobra em “off-shores” (???), sei lá que mais coisas boas para a economia portuguesa fazem eles com o dinheiro que ganham e foi desviado dos gananciosos capitalistas estrangeiros...
Esses gananciosos capitalistas estrangeiros... que fizeram o favor de participar na compra das empresas que estavam na posse do Estado por serem nossas, aquilo a que obsoletamente (tal como na obsoleta Constituição da República Portuguesa que ainda tem sementes do famigerado 25 de Abril) se chamava sector público estatal, monopólios naturais, serviço público, essas coisas…
Mas… vamos lá a ver se percebo…
Esta mesma lógica faria com que os trabalhadores, aqueles a quem se regateiam unidades em remunerações de centenas, se fossem aumentados, com esses aumentos diminuiriam os dividendos, impedindo-os de serem expatriados (mesmo os que por cá começassem por ficar), e pagariam – esses acréscimos de rendimentos, sim... porque os trabalhadores pagam mesmo – mais elevados IRS, fariam mais compras nos hipermercados e nas mercearias da esquina e nas vendas da aldeia, aumentariam as quotas do Benfica e do sindicato, não aplicariam o que pudesse sobrar (pouca coisa seria...) em "off-shores" (!!!), sei lá que mais coisas boas para a economia portuguesa… com o dinheiro que fosse desviado dos gananciosos capitalistas.
Estes fugiriam para outros “paraísos” porque aqui deixaria de ser, ripostar-me-iam.
Alto aí! Então porque não fogem quando o dinheiro desviado dos seus lucros é para exorbitantes remunerações?
Dir-me-ão – e estou a ver se percebo… – que assim é porque essas remunerações exorbitantes retribuem quem lhes fazem aumentar os lucros (o que não seria o caso dos trabalhadores, bem pelo contrário) que, depois, podem ser diminuídos pelas remunerações exorbitantes porque o saldo seria positivo.
Até porque essas dezenas de remunerados com milhões fazem parte do sistema e os milhões de trabalhadores das centenas de euros não. E seriam mesmo contra o sistema se viessem a entender, a tomar consciência!
Estou a perceber…
(“Não estás nada! É a economia, estúpido…”)
Pronto(s), está bem… e eu que até julgava que era economista...
(Economista, tu?!)
Fui, pronto(s)… agora sou só outra coisa que também acaba em ista e não é jornalista e é o contrário de fascista.

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Fantástico,fantástico post.
Parabéns querido camarada. Que bem e com que ironia desmontaste os argumentos com que nos pretendem tapar os olhos!!!!!!

Um grande abraço.

samuel disse...

Trabalhadores com mais poder de compra, bom para a economia local e nacional?!!! Que disparate!
Bom para a nossa economia é comprar um Iate (italiano), um Mercedes série S (alemão), mandar vir petiscos directamente do Fouchet (França), Rolex, Cartier, Louis Vuitton, roupinhas assinadas, etc., etc., etc...

Abraço.

aferreira disse...

-Numa sociedade moderna é assim.
-Ainda hoje ouvi pela TSF, a ministra do "trabalho" temporário dizer que os 20.000 trabalhadores temporários que prestam serviço para o Estado ou "seja lá para quem for" é coisa de uma sociedade moderna e desenvolvida.

Ora toma que é democrático.

Justine disse...

Excelente desmontagem! E lá vais "brincando" com coisas sérias e ensinando outras perspectivas!

Anónimo disse...

A simplicidade das coisas

Mas nem tudo é complexo. Há coisas extremamente simples. Vejamos a simplicidade das coisas.
Em 1975 o Dr. Ricardo Salgado, um modesto emigrante, com apenas uma camisa no corpo, tiritava de frio no seu exíguo apartamento em Londres, não tinha dinheiro, tendo sido obrigado a recorrer aos Rockefeller.
Passados 35 anos o Grupo de que é o máximo responsável está avaliado em cerca de 7 mil milhões de euros.
O que é que isto significa?
Significa que entre Março de 1975 e Março de 2010 o Grupo Espírito Santo acrescentou, vejam bem, caros leitores:
- 7 000 000 000 de euros em 35 anos (é difícil de ler, não é ?);
- 200 000 000 de euros por cada ano civil;
- 16 666 666 de euros por cada mês;
- 555 555 de euros por cada dia, incluindo sábados, domingos e feriados laicos e religiosos;
- 23 148 euros por hora, considerando que cada dia tem 24 horas.
Donde veio tudo isto?
Por mérito próprio, dirão alguns, sobretudo a elite que orbita em torno dos múltiplos e versáteis negócios do Grupo BES.
Outros dirão que a dimensão da acumulação de capital verificada radica nos juros usurários e no valor obsceno das taxas e serviços bancários, sem esquecer o lucro obtido nos elevadíssimos preços das comunicações impostos aos consumidores pela PT, onde o Grupo BES, com a cumplicidade dos governos PS e PSD, põe e dispõe, não obstante a sua influência no capital social não ir além de 8,6%.
Acrescem a tais tentativas de explicação outras centradas no bloco central de interesses, por via da dança de cadeiras, tendo em conta o numeroso grupo de governantes que antecipadamente e a posteriori estiveram, ou estão, ligados ao Grupo BES, facto que leva vários comentadores a afirmar que o Estado foi capturado pelo poder económico e que o BES não precisa de intermediários porque tem assento directo nos conselhos de ministros.
Outros, ainda, dirão que tal acumulação também é explicada pela sagacidade negocial no plano da diversificação nos negócios, tipificada em sectores com elevada rentabilidade de que se destacam, a título de exemplo, as 15 unidades de saúde espalhadas pelo País e a actividade turística.
A propósito do turismo convém salientar que os Hotéis Tivoli são propriedade do Grupo BES, o mesmo que detendo um valor patrimonial de 7 mil milhões de euros recusa um modesto aumento de 3% a trabalhadores cuja média salarial anda à volta de 600 euros mensais.
Tudo isto são elementos constitutivos que ajudam a explicar que um indivíduo, em 1975, sem cheta, tiritando de frio, confinado a um exíguo apartamento, obrigado a pedir um empréstimo aos Rockefeller, seja hoje o líder de uma família que passados 35 anos dispõe de um grupo económico superior ao sector empresarial do Estado.
A questão que se coloca, embora não negligenciável:
- não é tanto saber a dimensão e a rapidez de tal acumulação;
- nem, no plano dos negócios, saber da ética ou da falta dela;
- nem, tão pouco, tipificar o envolvimento em processos de natureza judicial.
A questão é outra. Está a montante.
É a natureza do sistema que permite tal acumulação, qualquer que seja o método e o seu valor.
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Fontes:
- Jornal Público de 8 de Março de 2010;
- Jornal de Negócios, de 11 de Março de 2010.