segunda-feira, junho 14, 2010

Reflexões lentas - Necessidades e Luxos (1)

Na tarefa de sábado passado, em Évora, à conversa com os camaradas, durante a exposição tratei da diferença entre necessidades e luxos, inevitavelmente pela rama e com a intenção de abrir pistas de reflexão colectiva, ali e como “trabalho para casa”.
É, como é de uso dizer-se, um tema que há muito me (pre)ocupa, e sobre ele há largo tempo escrevo. Se tivesse dúvidas sobre isso, a ocasional descoberta de um caderno editado pelo Instituto Luso-Fármaco, SARL, para o I Congresso Nacional da Indústria Farmacêutica, prova-o ao incluir «um “exercício” sobre o mercado farmacêutico» em que, em 1968, escrevia:
«(...) Poderíamos, aqui, enveredar por um caminho em que se discutisse o problema das elastecidades, e a partir de que nível de rendimento é que o produto farmacêutico se transforma de luxo (elastecidade rendimento superior a 1) em necessidade (elastecidade rendimento inferior a 1) (...)».
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Notícias destes dias, em que uma discutível amostragem leva a dizer que o “português médio” prefere deixar de comprar alimentos e medicamentos a reduzir a sua despesa em electrodomésticos de diversão e informação (?) e em automóveis, levanta a mesma questão em termos diferentes e bastante interessantes. Quereria isso dizer que o tal “português médio” (se existisse…) sentia (tenha criado o hábito e a dependência cultural de sentir) o(s) carro(s) e o telemóvel e a ligação a canais de televisão e à net como necessidades (de difícil compressibilidade de consumo), e os alimentos e os medicamentos como luxos (de fácil -ou de mais fácil - compressibilidade de consumo). Economicamente falando...
Sinais dos tempos! Da importância da aparência (efeito demonstração) e de uma ausência de consciência das reais necessidades.
E se em 1968 já este tema me (pre)ocupava, estando então nos difíceis primórdios do estudo tão aprofundado quanto possível (e sempre incompleto) de O Capital, agora o reencontro (que deveria ser quotidiano) com estas esclarecedoras páginas na edição portuguesa (edições avante!)do tomo V, que introduz a consideração de dois sectores, o I, de produção de meios de produção, e o II, de produção de meios de consumo e, neste sector, faz a divisão entre meios de consumo necessários e meios de consumo “de luxo”, não resistindo à citação que também comprova a riqueza da abordagem marxista:
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«Para a nossa finalidade (análise da conversão no interior do sector II no subsector dos meios de consumo que entram no consumo da classe operária), podemos reunir todo este subsector na rubrica: meios de consumo necessários, em que é totalmente indiferente se um produto real, por exemplo, como o tabaco é, do ponto de vista fisiológico, um meio de consumo necessário ou não; basta que, em conformidade com o hábito, [ele seja] um tal [meio de consumo necessário].»
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Vou continuar nestas reflexões, até porque, no final dos nossos trabalhos formais, à conversa com um camarada ele levantou problemas muito pertinentes que trouxe como meu “trabalho para casa”.
Estes temas são inesgotáveis…

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Pois são e também me preocupam a mim. A mentalidade das pessoas está deformada pelo apelo constante ao consumismo, pelo desejo de se mostrarem iguais aos "outros" mesmo desprezando as suas necessidades básicas endividando-se, e eu pergunto a mim mesma se a culpa desses desvios de comportamento não será principalmente desta sociedade capitalista em que vivemos tão desigual e tão desumana!!!!!!!

Um grande abraço.