quinta-feira, julho 01, 2010

Reflexões lentas - o serviço público e as empresas - 8a (CTT)




Quando, na sequência de outras reflexões, comecei esta série sobre os serviços públicos e as empresas que teriam sido criadas para os cumprir, não adivinhava (se calhar um dedinho estava a adivinhar qualquer coisa…) que ia cair neste imbróglio da PT-Telefónica-BES & tudo o mais que está para vir.
Certo que reabrirei o tema, fecho esta série com duas notas.
Esta abordagem coloca a questão central no processo de privatizações que transformou empresas com o objecto social de prestar serviços públicos, fora da área do mercado em que o que provoca as movimentações é o lucro e não a satisfação das necessidades que as pessoas sentem, em empresas a ganhar crescente e prioritária (ou até exclusiva) vocação para... os negócios.
E ficam-se as análises pela ramaria a partir do pressuposto que as raízes são aquelas, e só aquelas podem ser. Quando foram outras as raízes e o chão, e se transplantaram para ali, para a procura do lucro, para a dita «sustentabilidade financeira» que é fautora de instabilidade e insustentabilidade real.
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Os CTT ainda não foram privatizados. Luta-se para que o não sejam. Mas a empresa, ou o grupo de empresas, já estão inquinado pelos… mercados.
Ao ler o que define a dita empresa, ou grupo de empresas, lá se tem, nas «orientações específicas» (sublinhados meus)

«1. Missão e linhas de orientação específica
1.1 Missão
Os CTT – Correios de Portugal têm por Missão o estabelecimento de ligações físicas e electrónicas, entre os cidadãos, a Administração Pública, as empresas e as organizações sociais em geral. A sua tradição postal é progressivamente reforçada e alargada às actividades e áreas de negócio, onde a vocação logística e comunicacional da Empresa possa ser eficientemente colocada ao serviço dos Clientes.
1.2. Principais linhas de orientação específica
Destaca-se as principais orientações específicas para o Grupo CTT:
- Assegurar a prestação do serviço postal universal, garantindo o acesso dos cidadãos a serviços postais de alta qualidade a preços acessíveis e em condições de equidade, universalidade e continuidade;
- Promover o crescimento e consolidar a liderança nos negócios actuais;
- Desenvolver novas áreas de negócio nomeadamente as de Printing & Finishing, Soluções de Pagamento, Venda de Soluções Postais, Serviços Públicos e Serviços de Interesse Geral, Negócios Internacionais e mercados de influência ou de interesse (ex.: Espanha);
- Gerar crescimento através da Inovação, lançando produtos que tenham a ver com a sua vocação essencial e recorrendo às oportunidades viabilizadas pelo desenvolvimento/ inovação no mundo das comunicações electrónicas (ex.: hub electrónico de comunicações postais, caixa postal electrónica);
- Assegurar o processo de liberalização dos serviços postais, e garantir que a empresa está em condições para entrar no mercado concorrencial
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Haverá quem considere este o caminho inevitável. E quem estranhe que se denuncie como uma perversão, por via das relações sociais engendradas, do processo histórico, progressivamente libertador do ser humano dos condicionalismos naturais. Apenas se pergunta quantos casos e quanto tempo - e quantos sacrificados… - serão necessários para que a tomada de consciência se alargue até provocar as rupturas que serão, essas sim, inevitáveis.
Sobre os CTT, não se anotam, ainda, as consequências da financeirização reflectidas em endividamento anómalo.
No seu «financiamento», diz-se que
«A empresa não recorre por sistema a capitais alheios para o financiamento dos seus investimentos. Existe contudo uma operação de leasing financeiro contratada em 2002 ao Grupo Caixa Geral de Depósitos para aquisição do terreno onde está a ser construído o novo centro operacional de tratamento de correio do Norte (Maia)».
Depois se verá (espera-se que não!)...

2 comentários:

CD disse...

Inteiramente de acordo.
É vergonhoso que para o lugar dos carteiros, estejam a ser contratadas empresas engajadoras, que não pagam impostos e exploram os tarefeiros.
Ainda que o serviço não piorasse, esta situação erta de todo de evitar.
Mas nestes tempos de vertigem pelos mercados (teorias velhas e tão gastas como o arroz de 15) e por negócios, há muita gente a engrossar a onda da critica aos serviços públicos, que não vai tardar, concluirão, ser esta fase histórica uma montruosa fraude.

Graciete Rietsch disse...

É espantoso número de vezes que a palavra "negócios" aparece nas "orientações específicas" da empresa.E o pior é que as pessoas conformam-se ou ficam indiferentes.
Até quando??????

Um beijo.