sexta-feira, julho 08, 2011

Ex-certos (e adaptações) procurando acertar, isto é, ter pontaria certeira!


A moral da economia política

A economia política, ciência da riqueza, é, ao mesmo tempo, a ciência das privações (e do consumismo),  e da austeridade (e do desperdício), e da poupança (e do dinheiro e crédito sem fundo material), e chega ao ponto, na verdade, de querer poupar ao homem até a necessidade do ar puro ou do movimento físico.
(...)
«A economia política, se bem que dela se dê a imagem de procurar a bem-aventurança terrestre, sem regras morais, é na realidade uma ciência moral, a mais moral das ciências. A renúncia a si próprio, a renúncia à vida e a todas as necessidades humanas é a sua tese central. Quanto menos tu comeres, quanto menos livros tu comprares, quanto menos tu fores ao teatro, ao bailado, aos locais de diversão, quanto menos tu pensares, tu amares, tu fizeres teoria, quanto menos tu pintares, tu fizeres poemas, etc., etc., mais tu poupas, mais tu poderás consumir, mais aumentas o teu tesouro que não se satisfaz nem com migalhas nem com grãos de poeira, mais acresces o teu capital. Quanto menos tu és, quanto menos tu vives a tua vida, mais a tua vida alienada se estende, mais tu acumulas o teu ser na sua alienação pelo ter.
Hoje, e cada vez mais, tudo o que “a economia” te rouba de vida e de humanidade, ela te ilude compensar em dinheiro e em riqueza, e que tudo o que tu não podes, o teu dinheiro poderá.
O teu dinheiro pode comer, beber, ir ao bailado, ao teatro; ele conhece a arte, a erudição, as curiosidades históricas, o poder político; ele pode viajar, ele pode proporcionar-te tudo isso; ele pode comprar tudo isso; ele é o verdadeiro poder. Todas as paixões e toda a actividade são saciadas na insaciável sede da posse. Concede-se ao trabalhador apenas o que ele necessita para que possa viver, e ele só pode querer viver para possuir aquilo de que necessita para viver, ao/no mesmo tempo que se lhe oferece a ilusão de poder ter tudo a que tem direito por ser fruto do trabalho, que humano e histórico é.»

Para a questão «será que obedeço às leis económicas quando consigo o dinheiro à custa do abandono, da oferta do meu corpo à concupiscência do outro (em França, os operários das fábricas chamam à prostituição das suas mulheres e das suas filhas a hora de trabalho suplementar, o que é literalmente exacto), ou então quando vendo o meu vizinho como escravo a marroquinos (e a venda directa de homens sob a forma de comércio de jovens tem lugar em todos os países civilizados), o “economista” tem uma resposta pronta».

Diz  a senhora economia (pela voz dos "economistas): se assim fizeres, tu não ages contra as minhas leis, mas deves tomar em atenção o que diz uma minha “prima”, a senhora moral, e uma outra minha “prima”, a senhora religião; no entanto, as minhas “primas” moral e religião não têm nada a objectar-te... do ponto de vista económico, claro.

Então… em quem se deve acreditar, quem se deve seguir: a economia politica ou a moral?

Mas isto é um ludíbrio. Porque a economia política tem uma moral. A sua! E a dita moral submete-se à economia política a que pertence.

A moral da economia política é o ganho, o trabalho e a poupança, a sobriedade, a austeridade… e é ela que, ao/no mesmo tempo, promete satisfazer as necessidades humanas, sociais ... mais tarde, sempre mais tarde. Até com a desculpa/pretexto de que teria sido cedo de mais que foi feito o que as leis da economia política não consentiriam. 
«A moral da economia política é a riqueza em boa consciência, em virtude, em austeridade etc., etc. Mas como se pode ser virtuoso se não se existe, como se pode ter boa consciência se nada se sabe, ou se só se sabe o que se quer que seja sabido, o que se mente sem... moral, a não ser a da economia política, a dos poderosos porque usurparam o poder?»

A natureza da alienação faz com que cada uma das duas proponha um comportamento, a moral (e a religião) propõe um, e a economia (com a sua moral) propõe outro, o contrário. Diferentes e em simultâneo, ou um só.
Cada uma das duas (a economia política - e a sua moral - e a moral e demais "primas") é alienada em relação à outra alienação. E prevalece a que a relação de forças sociais, na relação de forças sociais que é dominante, faz prevalecer.
.
(traduzindo partes e
a partir de,
e procurando respeitar!,
Manuscrits de 1844,
in Karl Marx, oeuvres choisie 1,
idées nrf, 1963)


2 comentários:

Justine disse...

Bom, este texto tem de ser lido pelo menos duas vezes, devagar...mas eu também não tenho pressa nenhuma!

cristal disse...

Acho que precisa ser publicado no FaceBook para poder chegar a mais gente.