sexta-feira, julho 29, 2011

Reflexões lentas... e políticas

Há dois níveis para a actividade política.
Embora só por vezes tal se torne evidente, há, na actividade política, uma expressão institucional e uma expressão “de massas”.
Acontece que, não inocentemente, se insiste em identificar “política” com a sua expressão institucional e, mais redutoramente ainda, com a sua vertente executiva. Uma ilustração desse reducionismo é a pergunta recorrente se alguém “saiu da (ou voltou à) política” por ter deixado de ter (ou por ter regressado a) funções executivas na frente política institucional.
Noutros termos, mas pretendendo dizer o mesmo, há, na democracia em capitalismo (“burguesa”), uma expressão representativa que desvaloriza e menoriza – quanto a relação de forças sociais o permite – a expressão participativa.
Não faltariam exemplos (históricos) de momentos em que, a nível institucional, a relação de forças, enquanto expressão em democracia representativa, levou a opções políticas e outras seriam as opções se tomadas a nível “de massas”, enquanto expressão em democracia participativa. Como pode acontecer o contrário: seriam outras as opções da democracia representativa, diferentes das adoptadas em democracia participativa. Como “ponte” entre as duas frentes, as ratificações e os referendos ilustram-no e, por isso, a frente institucional pretende eliminar a via referendária quando não está (ou pode não estar!) de acordo com as decisões que tomou ao serviço dos interesses que serve.
No tão mal contado período histórico chamado PREC, as conquistas revolucionárias, germinadas na resistência ao fascismo, e no Movimento das Forças Armadas e no 25 de Abril, aparecem como tendo sido resultado de uma política institucional levada a cabo por sucessivos governos, do 2º ao 5º provisórios, em 415 dias, do "gonçalvismo". Há, no entanto, que bem sublinhar que foi dos raros períodos históricos em que os dois níveis se entrecruzaram e a dinâmica da “luta de massas” encontrou expressão na frente institucional, com todas as dificuldades e constrangimentos resultantes da instabilidade na relação de forças sociais.
Aqui e agora, apenas lembro que a referida dinâmica ao nível das massas foi para além dessa expressão institucional, e foi já depois de um 6º governo provisório, de um 25 de Novembro de 1975, de uma Assembleia Constituinte em que a expressão do nível da dinâmica de massas era bem escassa relativamente à sua real força (exemplo: apenas 12% dos deputados do PCPem 250)... e a Constituição da República Portuguesa reflecte mais essa dinâmica de massas que a composição do órgão institucional que a elaborou e aprovou por enorme maioria. Ainda hoje, não obstante sucessivas malfeitorias, a CRP mantém o seu sentido matricial e muito incomoda – quando não pode ser inconstitucionalmente ignorada e desprezada – a frente institucional que se foi estabelecendo, mas onde a luta de massas não deixa de ter expressão a partir de grupos parlamentares que não abdicam antes estimulam permanentemente a sua ligação à massas. E mais terá quanto mais conseguir exprimir-se enquanto tal ligação.
Sublinho, como última nota (de reflexão para uso próprio e mais de alguém que possa suscitar, desejavelmente em complemento ou controvérsia), que os dois níveis da política, mesmo quando aparentemente estanques porque o representativo-institucional abafa ou oprime o participativo-“de massas”, estão necessariamente ligados, quanto mais não seja pela via eleitoral.

6 comentários:

cid simoes disse...

É uma questão que devíamos debater com mais frequência a este nível.
Não é possível avançar numa análise política se não compreendermos isto.

Justine disse...

Muito bem exposto - só não entende quem não quer...

Pedro disse...

Não só a constituição resultante reflecte essa dinâmica, como na altura PS e PSD, pela voz dos seus chefes, sentiam a necessidade de defender a "sociedade socialista"

cristal disse...

Como sempre, muito bem explicado e, fazendo coro com a Zé, só não entende quem não quer... infelizmente, muitos nem sabem o que é vontade de saber.

Maria disse...

Excelente reflexão! Clarinha como água!

Beijo.

Graciete Rietsch disse...

Democracia só será democracia quando houver sintonia entre as suas vertentes representativa participativa
Saudoso PREC!!!!

Um beijo.