28 de Maio de 2013
Sinais dúbios na política internacional
sustentam crise na Síria
Enquanto o secretário de Estado dos EUA John Kerry e o chanceler russo Serguei Lavrov planejam uma conferência internacional para abordar o conflito na Síria de maneira política, a União Europeia anuncia, nesta segunda-feira (27), o fim do embargo de armas à oposição no país. A decisão é um sinal gravemente negativo em um contexto já de crise, em que atores envolvidos direta e indiretamente vêm enviando mensagens confusas para uma solução política.Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho
Reuters
Chanceler russo Serguei Lavrov e o secretário de Estado dos EUA
debatem conferência internacional sobre a Síria em Paris
De forma quase cínica, o anúncio foi feito pela União Europeia (UE) no mesmo momento em que se reuniam em Paris Kerry e Lavrov para definir os últimos contornos da conferência internacional, que deverá acontecer em junho e contar com a participação de todos os envolvidos no conflito interno da Síria, além dos vizinhos e atores de peso.
A proposta da conferência retoma a disposição do governo sírio para um diálogo político e o plano definido pelo Compromisso de Genebra, documento assinado ainda em junho de 2012 que afirmava a necessidade de uma solução política dialogada para o conflito. Lavrov também já havia ressaltado a importância da declaração em uma reunião com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, em encontro há poucas semanas.
Tivesse sido acatada a tempo, a declaração poderia ter salvado milhares de vítimas da escalada da violência, que ocorre sobretudo através da ingerência externa em âmbito político e também bélico, já que os grupos armados que atuam no interior do país, muitos compostos por mercenários estrangeiros, já vinham sendo apoiados com fundos e armas desde a intensificação do conflito.
O chanceler britânico William Hague, que já deu declarações problemáticas antes, foi o portador da notícia sobre a suspensão do embargo de armas: “É uma boa decisão e envia uma mensagem muito forte da Europa ao regime do [presidente Bashar] Al-Assad”, apesar de a Grã Bretanha não prever enviar armas à oposição de imediato.
A menos que a mensagem que Hague pretende passar ao presidente Assad seja a da ingerência criminosa na política e na estabilidade da Síria, a suspensão do embargo não pode ser considerada “uma boa decisão”, principalmente se os esforços por um diálogo político internacional forem sérios, e não mais uma retórica infrutífera. A ambiguidade e a falta de confiança que ela gera só fazem os atores envolvidos afastarem-se ainda mais, o que resultará em um maior prolongamento da violência.
Os diplomatas europeus envolvidos na votação para a suspensão do embargo de armas citaram a crescente “suspeita” sobre o uso de armas químicas em regiões específicas da Síria, mas a menção à autoria desse uso fica sempre encoberta. Observadores independentes já declararam não haver indícios de que o governo sírio emprega esses recursos, mas ao contrário, há indícios do uso deles por parte dos grupos armados, cuja brutalidade já tem sido evidenciada.
Solução política contra instabilidade regional
O presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior da Assembleia Consultiva Islâmica do Irã (Mayles), Alaedin Bruyerdi, assinalou nesta segunda que a Conferência dos “Amigos da Síria” em Teerão, capital iraniana, será uma reunião dos amigos ou de quem se esforça por uma solução política para a crise síria.
De acordo com o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores persa, Sayed Abas Araqchi, chanceleres, autoridades, personalidades de alto nível e representantes de organizações internacionais estarão presentes na conferência, que será celebrará nesta quarta-feira (29), com o lema: “Solução política, estabilidade regional”.
Araqchi lamentou a decisão dos chanceleres da UE sobre a suspensão do envio de armas aos grupos armados, dizendo que “o posicionamento duplo dos países ocidentais que alegam lutar contra o terrorismo é o maior obstáculo ante a eliminação deste fenómeno nefasto”, e que a decisão é “perigosa e incorreta”.
Além disso, ataques aéreos sem condenação e a retórica agressiva do vizinho Israel levam os oficiais sírios a acreditarem que o país busca uma guerra de grande escala com a Síria, principalmente no caso de os grupos armados conseguirem derrubar o governo de Assad, o que reflete a profundidade do risco de desestabilização da região.
O Irão já se mostrou interessado também em participar na conferência internacional de junho, que ficou denominada Genebra 2, e Araqchi afirmou esperar que todas as partes influentes trabalhem por resultados exitosos durante o evento.
Já no Líbano, tem sido frequente a denúncia sobre ataques desde o território sírio contra regiões com grande influência do partido islâmico Hezbollah, que forma parte do governo e exige o respeito pela soberania síria para a solução da crise interna.
Os ataques têm sido ligados aos grupos armados atuantes dentro da Síria, e nesta segunda fez uma vítima no subúrbio da capital libanesa, Beirute. Já nesta terça-feira (28), dois foguetes atingiram a cidade do noroeste, Hermel. O governo libanês condenou decisões da Liga Árabe que excluem o governo de Assad e favorecem a Coalizão Nacional Síria, que diz representar a oposição, mas comprometeu-se a não interferir no conflito, principalmente para preservar a sua própria estabilidade interna.
Além do Líbano, também o Iraque, no contexto da Liga Árabe, levantou preocupações sobre a crise interna na Síria, o seu alastramento pela região e o respeito pela soberania daquele país. O governo do presidente Bashar Al-Assad já reiterou diversas vezes a disposição e os esforços efetivos em prol de um diálogo político nacional, e também afirmou estar disposto a participar da conferência Genebra 2.
A Rússia demonstrou conternação com a decisão da UE sobre a suspensão do embargo, mas o porta-voz da chancelaria russa Alexander Lukashevich declarou, na sexta-feira (24): “afirmamos com satisfação que recebemos, a princípio, o acordo de Damasco para comparecer à conferência internacional”.
Isso demonstra uma vez mais o comprometimento do governo sírio com a resolução do conflito de forma dialogada, ainda que tenha sido alvo, de diversas formas, de uma ingerência externa inaceitável em seus assuntos políticos e na sua segurança nacional, o que prolongou e intensificou um conflito que já dura dois anos.