sexta-feira, novembro 26, 2010

Sobre as falsificações da História (desta que escrevemos nós e outros lêem e lerão)

Sobre o 25 de Novembro (reproduzido de o blogue do castelo, com a devida vénia... e ao autor, claro!)


"E se o Diário de Notícia fosse um jornal sério?"

O “Diário de Notícias” deu hoje à luz um texto com o qual diz querer fazer «um exercício de história contrafactual», que é, só por si, um conceito abstruso — fazer a história do que não aconteceu e talvez pudesse, eventualmente, ter acontecido se… O «exercício» consiste em responder à pergunta «25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário?». Os pressupostos de que parte mostram que não se trata de um «exercício de história contrafactual», mas sim de uma pura e dura «contrafacção histórica».
O autor do texto omite qualquer referência a um golpe de Estado e considera que havia duas facções militares em confronto: uma a que chama «os moderados», outra a que chama «a Esquerda Radical» (com direito a maiúsculas, para dar a ideia de que era uma coisa institucionalizada). Tento imaginar o então major Jaime Neves e mais umas dúzias de bem conhecidos capitães, coronéis e generais no papel de «moderados» e só consigo rir às gargalhadas. O mesmo acontece quando leio na peça do “DN” que «a Esquerda Radical» era afecta ao PCP. Terá o autor do texto alguma ideia, mesmo aproximada, da influência das diversas forças políticas nas Forças Armadas entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro? Idêntica pergunta para a taxativa afirmação de que o MRPP era «uma das excepções na extrema-esquerda, ou seja, a extrema-esquerda desalinhada com o PCP». Quererá o autor da contrafacção histórica identificar qual era a extrema-esquerda alinhada com o PCP? Em especial, no contexto do 25 de Novembro. Também seria útil identificar com quem estava o MRPP alinhado. E que é feito, nesta história, do PRP? E da LUAR? E da UDP? Uma contradição insanável do texto é começar por dizer que a «esquerda radical» militar era «afecta ao PCP» (um disparate monumental) para, dois parágrafos a seguir, afirmar que «a chamada “esquerda radical” rodeava no Copcon o respectivo chefe, Otelo Saraiva de Carvalho». O que equivale a dizer que Otelo era afecto ao PCP. Sem comentários. O facto de o único confronto armado ter ocorrido quando os comandos de Jaime Neves cercaram o quartel da Polícia Militar de Mário Tomé não faz agitar nenhum neurónio? É sabido que o PCP não tinha qualquer tipo de controlo sobre as unidades militares que estiveram envolvidas directamente no 25 de Novembro. É, igualmente, sabido que o PCP deu instruções a todas as suas organizações para não se envolverem em iniciativas disparatadas. Apesar disso, o “DN” tem tido, sobre o 25 de Novembro, uma prática de revisionismo histórico com base em relatos fantasiosos mais do que enviesados. Desta vez não se contenta em inventar o 25 de Novembro — vai mais longe e faz um «exercício» de invenção sobre a invenção. Para a contrafacção ser completa, o “DN” não inclui qualquer depoimento de um dirigente do PCP, apesar de o textozinho não ser sobre o 25 de Novembro e sim sobre o que outros dizem que os malandros dos comunistas poderiam fazer, se… Para mim, que sei o que se passou há 35 anos e vivo em 2011, há outros what ifs mais interessantes. Por exemplo: e se o “Diário de Notícias” fosse um jornal sério?

João Alferes Gonçalves
(no site Clube dos Jornalistas)

5 comentários:

Aristides disse...

Afinal, quem são os revisionistas?
Grande abraço

Pata Negra disse...

Esse texto parece um documentário americano (para não dizer que me lembra um filme mexicano que vi sobre os acontecimentos de Fátima): às duas por três, estes investigadores de copy e paste ainda vão acabar a dizer que o 25 de Abril foi obra dos cubanos e que tudo isto aconteceu numa região de Espanha para acabar com a guerra civil!
Um abraço da extrema

Sérgio Ribeiro disse...

Aristides - obrigado pela "autorização". Nós, às vezes, temos de revisitar para lutar contra os que a revêm deturpando-a.
Ao serviço...
Grande abraço

Pata Negra -'Tás a ir muito ao cinema... e é cada filme! Tenho a impressão que te vi hoje numa plateia...
Grande abraço

Fernando Samuel disse...

É um excelente texto.

Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

Também li o post que achei muito interessante. Na História não há "ses", mas misturar "ses" com mentiras e deturpações é intolerável.

Um beijo.