"E se o Diário de Notícia fosse um jornal sério?"
O “Diário de Notícias” deu hoje à luz um texto com o qual diz querer fazer «um exercício de história contrafactual», que é, só por si, um conceito abstruso — fazer a história do que não aconteceu e talvez pudesse, eventualmente, ter acontecido se… O «exercício» consiste em responder à pergunta «25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário?». Os pressupostos de que parte mostram que não se trata de um «exercício de história contrafactual», mas sim de uma pura e dura «contrafacção histórica».
O autor do texto omite qualquer referência a um golpe de Estado e considera que havia duas facções militares em confronto: uma a que chama «os moderados», outra a que chama «a Esquerda Radical» (com direito a maiúsculas, para dar a ideia de que era uma coisa institucionalizada). Tento imaginar o então major Jaime Neves e mais umas dúzias de bem conhecidos capitães, coronéis e generais no papel de «moderados» e só consigo rir às gargalhadas. O mesmo acontece quando leio na peça do “DN” que «a Esquerda Radical» era afecta ao PCP. Terá o autor do texto alguma ideia, mesmo aproximada, da influência das diversas forças políticas nas Forças Armadas entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro? Idêntica pergunta para a taxativa afirmação de que o MRPP era «uma das excepções na extrema-esquerda, ou seja, a extrema-esquerda desalinhada com o PCP». Quererá o autor da contrafacção histórica identificar qual era a extrema-esquerda alinhada com o PCP? Em especial, no contexto do 25 de Novembro. Também seria útil identificar com quem estava o MRPP alinhado. E que é feito, nesta história, do PRP? E da LUAR? E da UDP? Uma contradição insanável do texto é começar por dizer que a «esquerda radical» militar era «afecta ao PCP» (um disparate monumental) para, dois parágrafos a seguir, afirmar que «a chamada “esquerda radical” rodeava no Copcon o respectivo chefe, Otelo Saraiva de Carvalho». O que equivale a dizer que Otelo era afecto ao PCP. Sem comentários. O facto de o único confronto armado ter ocorrido quando os comandos de Jaime Neves cercaram o quartel da Polícia Militar de Mário Tomé não faz agitar nenhum neurónio? É sabido que o PCP não tinha qualquer tipo de controlo sobre as unidades militares que estiveram envolvidas directamente no 25 de Novembro. É, igualmente, sabido que o PCP deu instruções a todas as suas organizações para não se envolverem em iniciativas disparatadas. Apesar disso, o “DN” tem tido, sobre o 25 de Novembro, uma prática de revisionismo histórico com base em relatos fantasiosos mais do que enviesados. Desta vez não se contenta em inventar o 25 de Novembro — vai mais longe e faz um «exercício» de invenção sobre a invenção. Para a contrafacção ser completa, o “DN” não inclui qualquer depoimento de um dirigente do PCP, apesar de o textozinho não ser sobre o 25 de Novembro e sim sobre o que outros dizem que os malandros dos comunistas poderiam fazer, se… Para mim, que sei o que se passou há 35 anos e vivo em 2011, há outros what ifs mais interessantes. Por exemplo: e se o “Diário de Notícias” fosse um jornal sério?
João Alferes Gonçalves
(no site Clube dos Jornalistas)
5 comentários:
Afinal, quem são os revisionistas?
Grande abraço
Esse texto parece um documentário americano (para não dizer que me lembra um filme mexicano que vi sobre os acontecimentos de Fátima): às duas por três, estes investigadores de copy e paste ainda vão acabar a dizer que o 25 de Abril foi obra dos cubanos e que tudo isto aconteceu numa região de Espanha para acabar com a guerra civil!
Um abraço da extrema
Aristides - obrigado pela "autorização". Nós, às vezes, temos de revisitar para lutar contra os que a revêm deturpando-a.
Ao serviço...
Grande abraço
Pata Negra -'Tás a ir muito ao cinema... e é cada filme! Tenho a impressão que te vi hoje numa plateia...
Grande abraço
É um excelente texto.
Um abraço.
Também li o post que achei muito interessante. Na História não há "ses", mas misturar "ses" com mentiras e deturpações é intolerável.
Um beijo.
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