segunda-feira, novembro 15, 2010

A talhe de foice sobre a cimeira da NATO em Lisboa

Entre tanta coisa a dizer sobre a cimeira da NATO em Lisboa (e outras coisas...), embora em leitura atrasada, este excelente

À deriva

Em vésperas da cimeira da NATO o país parece uma torre de Babel. Ele são os juros da dívida subindo por não haver orçamento e continuando a subir por haver orçamento; ele é a PSP a dizer estar à espera de «carros com protecção balística» e não de «carros blindados», e o secretário de Estado da Administração Interna, Conde Rodrigues, insistindo que vão chegar «cinco carros blindados», não se sabe é quando.

O caso não é de somenos, não só porque os juros sobem porque não e porque sim – o que leva à legítima questão de saber como raio havemos de satisfazer os «mercados» que segundo a dona Manuela é que mandam –, mas também porque a confusão não ajuda a encontrar o rumo que, dizem-nos, Portugal precisa.

Por exemplo: o que fazer se nos aparecer um (ou mesmo os cinco!) dos tais carros pela frente? Pergunta-se «desculpe, isto é um carro blindado»? E se for um «carro com protecção balística», estar-se-á a ofender alguém? Imagine-se a discussão que daqui pode resultar, se é que os carros chegam a horas para justificar o ajuste directo ditado pela pressa que levou à compra, não se sabe ainda a quem.

Que se trata de um bom negócio garante Conde Rodrigues, explicando que apenas 1,2 milhões de euros são destinados à compra de viaturas, isto é «uma pequena parte dos cinco milhões de euros do investimento total», e contemplando a compra de «45 viaturas de transporte das equipas de intervenção rápida e carros blindados».

«Não há desperdício nem investimento exagerado», assevera Rodrigues, embora não pareça saber muito bem do que fala, o que também não se percebe já que a polícia se refere a carros «resistentes a uma vasta gama de projécteis disparados por armas de fogo», com capacidade para pelo menos oito pessoas, dotados de redes de protecção, equipados com pneus que permitem a marcha do veículo em qualquer circunstância, mesmo depois de esvaziados, com quatro portas laterais e uma porta traseira e com motor a diesel. A falta de informação do governante é tanto mais estranha quanto a PSP afirma que todas as forças policiais urbanas europeias possuem tais viaturas, pelo que, já que o Governo decidiu investir o dinheiro dos contribuintes no material, o mínimo que seria de esperar é que tivesse olhado para o catálogo.

Voltando à hipótese de um encontro imediato com as novas viaturas, os cidadãos podem ainda questionar-se se os respectivos condutores tiveram ou não adequada formação para os manobrar, já que uns dizem que serão idênticos aos usados pela GNR no Iraque (pelo que se supõe que possam vir a ser conduzidos por agentes desta corporação ou, no mínimo, que estes dêem umas dicas aos seus camaradas da PSP) e outros que não senhor, que são diferentes e exigem um período de adaptação e treino. Ou seja: ou os carros não chegam a tempo da cimeira e o problema está resolvido – embora subsista o «pormenor» do preço inflacionado pela urgência da encomenda –, ou chegam a tempo e horas e corre-se o risco de acidentes contra pessoas e bens, o que para viaturas a usar em «acções policiais em bairros problemáticos» é altamente preocupante. E neste caso, como é bom de ver, não passará pela cabeça de ninguém abordar o «blindado» (ou «protecção balística» que seja) para apurar da destreza do condutor. E ainda há quem se espante do País estar à deriva!

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