É ouvi-los/as. De há uns tempos para cá, agora com maior insistência e ênfase, entre “eles/as” é consensual a afirmação da “crise de dirigentes europeus”.
É ouvi-las/os falar, com saudade, nostalgia, angústia, da actual falta de gente com o “estofo”, com a “qualidade” dos “pais da Europa” e de alguns de gerações que não esta, a de hoje. Já não há gente como aquela!, dizem...
Sempre, e todos, referindo nomes sonantes. Nunca faltam os de Monnet e Delors, a que se juntam, conforme os gostos pessoais, Schuman, Spack, De Gaulle, d’Estaing, Spinelli, Brandt, Tindemans, Kohl, e patrioticamente há quem nos atire à cara com o de Soares (pai de tudo: do socialismo, da contra-revolução, da social-democracia, da “Europa connosco”, da pulitiquice), e até já ouviu o nome de Vitorino como referência para confrontar com os… des(en)graçados dos actuais. Que seriam, em muito ou em quase tudo, responsáveis pelo estado a que isto chegou. Sim, porque com os de antigamente ao leme… outro rumo teria a barca e não este naufrágio.
Longe de mim defender gente como Merkel, Sarkosy, Barroso & Cia., mas não é justo fazer-se deles/as bodes expiatórios, “passa-culpas” individuais de uma dita “crise” que não é mais que a crise de funcionamento de um sistema sócio-económico na inevitabilidade das suas contradições sempre agravadas.
E quando se “ouvêem” essas luminárias do comentarismo político perorarem sobre os risonhos caminhos que teriam sido os desta integração de Estados europeus nos seus começos com seis e alargando, criando uma periferia antes apenas limitada ao sul da Itália, e que teriam sido sempre fáceis e sem escolhos porque conduzidos por quem era de “outra qualidade”, não o farão por ignorância (alguns/umas será) mas por má fé histórica.
Nas escassas décadas que vêm dos anos 50 do século XX muitas contradições e fricções e batalhas ocorreram (uma dessas luminárias diria decorreram!...), houve "crises" motivadas pelos que, em democracia representativa e burguesa, representavam os povos, ou apareciam ao leme sem se saber bem como, e confrontavam os solavancos do capitalismo.
Cito um único episódio: o da cadeira vazia.
1. «A partir de Julho de 1965, opondo-se a um conjunto de propostas da Comissão relativas, designadamente, ao financiamento da política agrícola comum, a França deixou de participar nas reuniões do Conselho e, para retomar o seu lugar, exigiu um acordo político sobre o papel da Comissão e a votação por maioria. Este episódio da História da Europa ficou conhecido pela
"crise da cadeira vazia".» (
europa.eu)
2. «De Gaulle, apesar de defender uma Europa forte perante os EUA e a URSS, nunca acreditou numa Europa unida politicamente. Para ele, a independência nacional da França, país que ele tentou denodadamente manter com o estatuto de potência, era uma questão inegociável. Resultou deste nacionalismo de De Gaulle a chamada "crise da cadeira vazia" em 1966 que manteve, durante meses, a Comunidade paralisada e que, finalmente, acabou com o chamado Compromisso do Luxemburgo.» (www.historiasiglo20.org)
3. «Em França,
De Gaulle era o símbolo do poder político. De direita. Com o pendor nacionalista que o fizera participar na
Resistência, nela forjando a sua imagem, afirmando-se na primeira fase da CEE – como no episódio da
"cadeira vazia" e na imposição do "interesse vital" – para a impedir de prosseguir caminhos que considerava contrários aos interesses da França, com um controlo da política interna que o levava a dizer, na mensagem de fim do ano de 1967: "no meio de tantos países abanados por tantos safanões
(saccades), o nosso país continuará a dar o exemplo da eficácia na condução dos seus assuntos
(affaires)".» (
isto dito logo antes de Maio de 1968)(
www.omilitante.pcp.pt).
E há muitos mais episódios que não se podem assacar à "qualidade" dos intérpretes!